Conhecer o que se passa em nosso corpo e mente enquanto dormimos sempre foi algo intrigante. Antes da metade do século XII, cientistas e filósofos assumiam que o sono era um estado passivo de inconsciência, baseado em experiências subjetivas durante o sono, como perda de consciência e incapacidade de recordar a atividade mental. Tais especulações são tão antigas quanto nossos registros da civilização humana. Desde a civilização hindu, filósofos dividiram os níveis de consciência em quatro estados diferentes, sendo dois deles referentes ao sono: Prajna (sono sem sonhos), estágio ideal para nosso corpo e mente descansarem e se reabastecerem, apagando os excessos mentais adquiridos durante a vigília (Vaisvanara). O outro tipo de sono, Taijasa, seria o sono com sonhos, onde haveria consciência apenas dos nossos sonhos e onde poderíamos desfrutar das impressões mentais sutis do que fizemos no passado. Ainda, este povo explica que o Prajna seria a porta de entrada para os estados de Vaisvanara e Taijasa.

Com o auxílio do eletroencefalograma (EEG), descoberto por Berger em 1929, iniciou-se a era científica moderna da pesquisa do sono, que fornece o quadro para nossos conceitos de identificação atuais. Na época, havia-se descoberto que o sono tinha uma evolução característica: um período de sono leve, quando o cérebro produzia ondas lentas, seguido de um período de sono profundo, com aceleração da atividade elétrica cerebral, acompanhado de relaxamento muscular completo (Klaue, 1937). Na década de 1950, Nathaniel Kleitman e Eugene Aserinsky observaram que durante este período de sono profundo em crianças, os olhos dos bebês continuavam a se mover sob as pálpebras fechadas após os movimentos do corpo haverem cessado, associados ao aumento da taxa de pulso e respiração neste período, apesar da imobilidade do corpo e que, comparado com os demais movimentos corporais, o movimento dos olhos era um meio mais confiável de diferenciar as fases ativas e inativas do sono. Daí a descoberta do sono REM (Rapid Eye Movement – movimento rápido dos olhos) que ocorria em episódios a cada 90-120 minutos de sono. Outro aluno de Kleitman, William Dement, correlacionou a duração do sono REM com a duração subjetiva dos sonhos, estabelecendo uma associação entre as mesmas.

As observações de Kleitman e Dement levaram à primeira caracterização sistemática das fases do sono, classificando-as em sono NÃO REM (composta por 4 estágios) e sono REM. A estes pesquisadores também cabe o crédito de terem descrito a ciclicidade dos estágios do sono, e não sua continuidade, como inicialmente pensado. Em cada ciclo de sono, nosso cérebro passa por todos os estágios, em média 4 a 5 ciclos de sono por noite, com predomínio dos estágios 3 e 4 (sono de ondas lentas) na primeira metade da noite e do sono REM (com aumento de duração inclusive) na segunda metade.

Em 1968, Allan Rechtschaffen e Anthony Kales estabeleceram o primeiro manual definindo critérios acerca da definição e classificação dos estágios do sono, critérios utilizados até hoje em alguns centros. Em 2007, a Associação Americana de Medicina do Sono (AASM) elaborou nova diretriz, na qual une os estágios 3 e 4 do sono NÃO REM em um único estágio.

A seguir faremos uma breve descrição destes estágios do sono e o que acontece no nosso corpo durante os mesmos:

Estágio 1 (NREM 1) – sono de transição – Esta é uma fase transitória entre a vigília e o sono leve. Há trocas de posição frequentes, mas se alguém tentar acordar a pessoa nesta fase, ele(a) dirá que não estava dormindo.

Estágio 2 (NREM 2) – sono intermediário – É um período de sono leve, durante o qual há menor movimentação e a respiração é mais quieta. Um tempo de sono adequado neste estágio está associado à melhora do desempenho em atividades motoras. A pessoa pode ser facilmente acordada durante este estágio.

Estágios 3 e 4 (NREM 3) – sono de ondas lentas – É um período de sono profundo, onde há relaxamento muscular, redução da respiração, batimentos cardíacos e pressão arterial, sendo que o EEG caracteriza-se pela presença de ondas lentas do tipo delta (0,5-2 Hz). A produção do hormônio do crescimento, importante para a síntese de proteínas e regulação homeostática/regenerativa acontece somente durante o sono e inicia-se neste estágio. A pessoa terá mais dificuldade em ser acordada.

Estágio REM – Durante o sono REM, o cérebro está “acordado”, mas o restante do corpo está “dormindo”. Há intensa atividade elétrica do EEG, semelhante à vigília, ao passo que os músculos estão paralisados (em atonia). Por tal motivo, o sono REM também é conhecido como sono paradoxal. Durante o sono REM, os olhos movimentam-se rapidamente sob as pálpebras, e é neste estágio que os sonhos acontecem com mais frequência e que nos recordamos dos mesmos. Um adulto normal tem em média 4 a 5 episódios de sono REM todas as noites. O primeiro episódio dura cerca de 10 minutos, enquanto os subsequentes vão se tornando mais longos, com o último durando até 30 minutos. Estudos mostram que a privação/redução do sono REM está associada à irritabilidade, fadiga, perda de memória e redução da capacidade de concentração. Os recém-nascidos apresentam o maior período de sono REM, cerca de 50% das 16h do tempo total de sono desta fase, percentual que vai decaindo conforme a idade aumenta.

Durante uma noite de 7-8h de sono, a pessoa realiza ciclos do sono; passando do primeiro estágio do sono para o segundo, depois para o terceiro, podendo voltar para o segundo estágio ou entrar no sono REM. A partir daí, estes ciclos repetem-se cerca de 4 a 5 vezes durante a noite.

Cada ciclo de sono dura cerca de 90 a 120 minutos. No intuito de ter uma boa noite de sono, é essencial maximizar a quantidade de sono profundo (N3), especialmente na primeira metade da noite. Uma boa noite de sono reorganiza nossa memória e melhora nossa capacidade de aprendizado, além de nos deixar mais calmos e dispostos. Nos ciclos finais de sono, a quantidade de sono REM aumenta e o sono de ondas lentas diminui/desaparece.

Então, conseguiram entender um pouco desses complexos mecanismos pelo qual nosso corpo passa todas as noites?

Valorize seu sono! Ele não tem preço!

Grande abraço e até a próxima!