Setembro foi o mês escolhido pelo Centro de Valorização da Vida para campanha de conscientização sobre o suicídio. De acordo com a psicóloga especialista em saúde mental Adrianna Reis, de Brasília (DF), praticamente 90% dos casos de suicídio no Brasil poderiam ser evitados.

O empecilho é a grande quantidade de tabus e mitos em torno do tema. Um deles é o de que não se pode falar sobre suicídio para não estimular outras pessoas a cometê-lo. Conforme dados da Associação Brasileira de Psiquiatria, uma média de 32 brasileiros tiram a própria vida por dia. Um número que vem aumentando a cada ano e que cresce principalmente entre os mais jovens. Uma das formas de mudar esse quadro é quebrando o silêncio em torno do tema.

E mais: ouvir com seriedade quem dá sinais de suicídio. “As pessoas acreditam que quem fala não vai fazer. Isso não é verdade. A pessoa falando é um ato de desespero. Ela está manifestando um pedido de ajuda. A gente não sabe o momento que vai ser insuportável”, ressalta Adrianna.

Um caso da UnB

Adrianna presenciou um caso na Universidade de Brasília que ficou bastante emblemático por lá. Uma jovem estudante cometeu suicídio no prédio da instituição. Antes do ato, ela havia publicado nas suas redes sociais um texto pedindo ajuda publicamente que recebeu muitas críticas. O “quem quer fazer não fala” foi o tom dessas respostas. “As pessoas dizem que tudo isso é ‘só para chamar a atenção’. É para chamar a atenção, sim: é para dizer olha para mim. Estou sofrendo. E chamar a atenção com um pedido de morte? Alguma coisa está errada”, ressalta.

Vamos às dicas?

A psicóloga recomenda o material elaborado pelo Ministério da Saúde para a campanha de prevenção ao suicídio. A rede pública tem linhas de tratamento disponíveis via SUS. Conforme Adrianna, problemas mentais estão na primeira causa de suicídio, seguido de drogas e questões financeiras.

Mas, muitas vezes não sabemos o que fazer quando nos deparamos com alguém em uma situação tão difícil e, na tentativa de ajudar, acabamos piorando tudo. Por isso, pedimos algumas dicas para Adrianna sobre qual a melhor postura diante de uma pessoa que manifesta desejo de tirar a própria vida:

1) OLHA COMO VOCÊ É BONITA!

Essa é uma das primeiras e das mais terríveis coisas que alguém que tenta suicídio ou manifesta esse desejo ouve. Adrianna ilustra essa situação com uma história: “Uma vez uma garota havia tomado veneno, mas sobreviveu. Eu estava no quarto com ela no hospital e os visitantes enfatizavam o quanto ela era bonita e jovem e que por isso não teria motivos para se suicidar. Quando todos saíram, ela desabou num choro: ‘por acaso eu ser linda resolve a minha vida? Agora eu tenho que ser feia para alguém dar crédito à minha dor?’”

Adrianna ressalta que a dor psíquica não escolhe por categorias. “Se o motivo é uma doença mental, vai atingir qualquer pessoa. Isso é até uma forma elitista de querer separar a dor. Quando dizemos essas coisas a quem deseja morrer, estamos menosprezando e não acolhendo”, acrescenta. O melhor é admitir que não sabemos o que dizer, que vamos juntos tentar encontrar uma saída, escutando sem julgar. “Quanto mais falamos sobre essas coisas de beleza, dinheiro, carreira, mais a pessoa se sente culpada e mais vai preferir se isolar”.

2) BUSCAR ESPECIALISTA

Não tem pessoa melhor para tratar de alguém que pensa em suicídio do que um especialista nesse assunto. Porém, o modo como sugerimos isso ao nosso amigo em pleno sofrimento vai fazer toda a diferença. “Não precisa jogar na cara: ‘o que você precisa é de um psiquiatra!’, mas sempre acolher e entender que a depressão é uma doença em que há uma alteração bioquímica”, explica a psicóloga. Isso quer dizer que pode ser muito difícil para quem está doente conseguir tomar uma iniciativa ou sair por conta própria em busca da alegria. “Não depende só da vontade dela”, completa.

3) TER + FÉ E OCUPAR A CABEÇA

Se a depressão é uma doença que altera a química do corpo, não depende da fé e da boa vontade sair dessa situação. Orar ou ocupar a cabeça com outras coisas não só não vai adiantar como é uma tarefa praticamente impossível. “Como que a pessoa vai ocupar a mente com outra coisa se já está ocupada com isso? Ela não consegue. É bom demonstrar que tem uma saída para aquela situação”, aconselha. “Mostrar que existem novos remédios, novas terapias. Ainda que as tentativas anteriores tenham falhado, há novos caminhos”.

Ajudar o amigo em dificuldade a construir uma rede de apoio, reconstruir vínculos, procurar atividades prazerosas que propiciem a produção de endorfinas e terapias como as de estimulação e o mindfulness podem ajudar muito e são mais eficazes do que simplesmente mandá-lo “ocupar a cabeça”.

4) FALAR COM A SERIEDADE QUE MERECE

Nem exagerar, fazendo um escândalo, mas também não banalizar a situação. Adrianna recomenda que a conversa seja como é sobre qualquer doença: demonstrando aceitação e compreensão para com quem está doente, sem julgar, mas deixando claro o quanto a situação é grave. Por outro lado, informando que há tratamento. “E um amigo não precisa ser um terapeuta. Se não sabe o que falar, apenas ofereça a companhia, esteja junto. Demonstre o quanto a vida daquele amigo é importante e que você está ali para ajudar”.

4) E SE A PESSOA NÃO QUER FALAR?

O que realmente ajuda é demonstrar sinceridade. Se a abertura está difícil, comece comentando que vem percebendo o quanto aquele amigo está dormindo mais, ou com insônia, que está se isolando, mudando seus comportamentos, já não gosta mais das mesmas coisas de antes, etc. “Demonstre que você observa e se importa. E se mesmo assim a pessoa não quiser falar, fique à disposição. De vez em quando dê um oi. Também vale a pena informar os parentes e amigos mais próximos. O importante é não ficar omisso”, conclui Adrianna.

(Arte: Leela Yamanaka)