Semana passada o país se voltou, inicialmente através das redes sociais, para o terrível caso da adolescente que foi estuprada por mais de 30 homens no estado do Rio de Janeiro, e exposta nas redes sociais[1]. Denúncias coletivas e atos de apoio para a jovem transformaram-se, em pouquíssimo tempo, num espaço de críticas à vivência, sexualidade, a realidade social etc da jovem – a própria vítima. Deixe-me tentar explicar: um ser humano foi violentado sexualmente por mais de 30 outros seres humanos, e a responsabilidade da atrocidade recaiu sobre aquele que SOFREU A VIOLÊNCIA. Por quê? O ser humano agredido é mulher, e os agressores homens. Isto é resultado da cultura machista sob a qual o país se abriga, e o fato de a violência sexual ser relativizada é resultado, sim, da cultura do estupro. Foi preciso uma garota ser abusada, rasgada, destroçada e exposta para que parte da população abrisse os olhos para a realidade escancarada do dia a dia.

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Há uma frase que circulou pela internet, dentre tantas, que se apresentou de forma deveras acertada, dizia algo em torno de que se os agressores não divulgassem a própria atrocidade cometida, quando a garota fosse relatar o que lhe ocorrera, seria chamada de louca. Ignorada. Como tantas são. E por mais que os vídeos e imagens tenham sido viralizados ainda há questionamento na cabeça de certas pessoas (principalmente homens) se REALMENTE houve o estupro.

Diz o Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, em seu artigo 213 que se configura o estupro em caso de:

“Art. 213, CP. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.”

Como exposto pelos agressores, através de filmagens realizadas por eles próprios e piadas feitas através das redes sociais, ficou mais que comprovado a violência ou grave ameaça. A garota aparecia desacordada, com as partes íntimas dilaceradas e sangrando. Não seria necessário nem mesmo o depoimento da vítima. O crime está caracterizado.

Não relativizem o estupro! Não atribuam a culpa à vítima! Estupro é estupro! Sexo é sexo! Se a pessoa está desacordada, é estupro. Se ela disse não, é estupro. Se ela não quer participar, é estupro. Se você está relativizando uma situação dessas abre interpretação para que outras pessoas façam o mesmo com você, ou então, que você faria o mesmo que os agressores fizeram caso tivesse a oportunidade. Faria?

Os agressores devem ser encontrados, julgados, condenados e punidos na forma da lei. E por mais que coisas horrorosas lhes acometam, por mais que você se sinta intimamente vingado – pela sua necessidade de se colocar no centro de uma situação que não lhe toca – nesta perspectiva, a realidade não vai mudar. É necessária, para ontem, uma mudança radical na forma de pensar da sociedade brasileira. Reeducação social. Mulheres não devem temer, homens devem respeitar.

Pessoas que estupram, não são monstros. São pessoas como você e eu, que sabem o que estão fazendo. Reconhecem-se no topo da relação de poder. É seu marido, namorado, pai, avô, tio, sobrinho, primo, irmão, amigo. É um desconhecido, é alguém muito próximo, que se acha no direito de violar o corpo alheio por diversos motivos, dentre eles, os citados por aqueles que relativizam o estupro.

Não é bonito/ legal embebedar a garota para transar com ela. Não é bonito/ legal drogar a garota para transar com ela. Não é bonito/ legal filmar a garota em ato sexual/libidinoso e divulgar sem seu consentimento. Não é bonito/ legal forçar sua namorada/esposa a fazer sexo com você. Não é bonito/ legal espalhar intimidades da garota com a qual se envolveu. Não é bonito/ legal desviar o foco da agressão cometida pelo agressor para o comportamento da vítima. Não é não. Uma pessoa inconsciente não tem como se defender. Por mais que a garota tenha ingerido bebida alcoólica por livre espontânea vontade, se ela demonstrar qualquer sinal de que não quer prosseguir com o ato sexual: PARE. Isso se aplica às drogas. Assim como uma garota/mulher andar sozinha de noite na rua; ou usar roupas “curtas”; ou o que for. Ela não quer, não quer e ponto. Não há justificativa para seguir. Pare. Pare. Pare.

Mulheres, não caiam na conversa de que há alguma justificativa em casos específicos, porque isso pode um dia se virar contra você. “Não deveria ter acontecido, mas aconteceu porque ELA fez isso e isso..”. Não. Aconteceu porque houve um estuprador/abusador na história. Fim.

Homens, ao invés de apontar motivos pelos quais pode ter levado outro homem a cometer o tal ato, recolham-se. Ao invés de sair em defesa dizendo que “nem todo homem é assim”, converse com outros homens sobre isso, convença-os de que é errado. Não acoberte. Não aplauda. Não silencie quando souber de algo.

Sim, homens também são estuprados. Sim, em dados momentos a situação se inverte. Mas em uma escala de 0 a 10 quantos homens são estuprados no Brasil e no mundo? Agora faça o mesmo procedimento quanto a mulheres. Assim como meninas e adolescentes que são abusadas por FAMILIARES. É trágico quando acontece porque abala toda a estrutura social, porém muito mais a vítima, independente de quem o seja, e o que não se deve negar ou ignorar que é o tipo de violência cometido contra mulher/menina justamente por ser mulher/menina. É violência de gênero.

Ainda que isto seja reflexo da cultura milenar patriarcal de vulnerabilidade da mulher e poder do homem, ainda que tudo leve à crença de que medidas mais duras seriam as adequadas, é preciso que a racionalidade impere, para que o agressor compreenda o significado do seu agir e, sobretudo, a vítima seja realmente reconhecida e atendida como merece, para que esta situação traumática não reflita conflitos de ordem ainda maior e o ciclo de violência não perdure. E a reeducação pode ser iniciada em nosso meio, nossa casa. Ensinando os meninos desde cedo a respeitarem as meninas, a você homem se cobrar sobre o seu comportamento na balada, em casa, no trabalho. É um trabalho diário que deve ser levado adiante. Enquanto houver um único homem que se ache no direito de exercer todas as práticas abusivas acima alistadas e/ou que as justifique, ainda haverá a cultura do estupro, ainda haverão vítimas marcadas por toda a vida, ainda haverá violência.

 

[1] Link da notícia: https://oglobo.globo.com/rio/quando-acordei-tinha-33-caras-em-cima-de-mim-diz-menina-que-sofreu-estupro-coletivo-19380492