Pedro II

Um grande incômodo: o absurdo. Camus, em seu ensaio sobre o absurdo e o suicídio diz que um mundo com más razões, um mundo sofrido, mas que se possa explicar, é um mundo em que podemos viver. Mas, quando nos tornamos alheios ao nosso cenário, quando somos apartados de um sentido para nossa vida, a existência se torna insuportável e o suicídio emerge como solução para o absurdo.

Nós, humanos nesse planeta globalizado, estamos nos tornando paulatinamente menos violentos. E e esse planeta globalizado cada vez um lugar melhor para nós, humanos, vivermos. Mas e o Estado Islâmico? E a guerra na Síria? E a guerra na Ucrânia? E o massacre nas periferias do mundo? É evidente que barbáries e uma dinâmica de violência institucional, industrial e social baseada no monopólio corporativo dos recursos e nas máquinas de guerra dos estados-nação, permanecem existindo no nosso atual estado de coisas. Porém, no crepúsculo da televisão para o alvorecer da internet, atos de violência e máquinas de opressão geram muito mais repercussão e são doenças muito mais combatidas do que foram ao longo do século passado. Não podem mais existir bombardeios “secretos”. Não vivemos mais sob a sombra do aniquilamento nuclear. A violência silenciosa, indetível, de uma máquina social aparentemente bem azeitada começa a se tornar barulhenta. As peças se desgastam. Não estão mais deslizando. Trincam e quebram. O triunfalismo do consumo que parecia irreversível nas décadas de 80 e 90 do século passado dão lugar a um mundo de angústia, depressão, ansiedade e gritos incontidos por mudança. O sistema é denunciado, não porque as pessoas querem diminuir seu ímpeto por consumo. Porém, as pessoas sabem que o consumo delas é viciado, a comida envenenada e os aparelhos feitos para quebrar. Elas vislumbram um mundo de consumo melhor perante nossa atual tecnologia e capacidade de reprodução de recursos.

É evidente que, em um mundo mais violento, porém mais hegemônico e menos contraditório na violência, com meios de produção cultural, produção de reportagem, produção de imagens, inteiramente controlados por uma indústria detentora de aparelhagem cara e de um monopólio sobre a possibilidade de transmissão, parece que as pessoas vivem melhor. Mas na verdade nós vivemos melhor. E nós caminhamos para um mundo mais justo sob uma perspectiva humana. E por isso estamos mergulhados em mal estar. E por isso ansiedade, depressão, pânico e solidão são epidemias sociais. O fato do mundo evoluir antes da nossa linguagem gera um desconforto e uma sensação de incomunicabilidade. A militância politica e a radicalização política são formas de combater essa incomunicabilidade. Por isso nós observamos essa radicalização. O que todos pressentem, na verdade, é uma mudança de paradigma. Cada um radicaliza para o lado da estrutura semântica e das experiências de mundo sob as quais foi forjado.

Depressão e ansiedade são doenças. Entretanto, as pessoas que hoje apresentam esses sintomas são possivelmente as células mais saudáveis do nosso organismo social. Uma frase do pensador indiano Jiddu Krishnamurti que ganhou alguma notoriedade em meados dos anos 2000 graças ao documentário (super recomendado) Zeitgeist fala: “Não é sinal de saúde mostrar-se adaptado a uma sociedade profundamente doente.” Como aplicação prática podemos claramente afirmar que o homem não deveria se mostrar pronto e hábil a trabalhar como um animal mal alimentado sob o açoite.

Depressão e ansiedade também são formas equivocadas de observar o tempo. Calma é a pedra fundamental do bem estar humano. Ou ainda, como disse Nina Simone: “liberdade é não ter medo”. A vida não é fordista. A vida é um apanhado de experiências singulares e o ser humano precisa ter liberdade criativa para absorver e expressar essas experiências.

Drogas são profundamente úteis (falarei sobre isso em um próximo texto). Em momentos críticos podem salvar uma vida. No entanto, não existe antidepressivo que faça uma depressão desaparecer sob as mesmas circunstâncias em que ela apareceu. E não existe ansiolítico que mantenha são e livre de ansiedade um ser humano que é forçado além do seu limite para “fracassos” diários. (Aliás, se observarmos a vida como um jogo de vitórias e derrotas, as derrotas sempre serão plurais e frequentes e as vitórias singulares e raras, não é uma boa perspectiva também). A única solução para um indivíduo cultivar uma existência pacífica e não depressiva é aproximar a sua prática da fala. (Não falo isso da posição de santo, falo isso por conhecer muito profundamente esse incômodo e analisar calmamente meus ápices de felicidade). A única solução contra a ansiedade é aproximar-se da natureza e da própria autonomia. Se você ainda tem muito medo, junto com esses sintomas, mude sua vida. Não precisa ser do dia para a noite, a sangue frio. Faça cada vez menos concessões que atinjam sua saúde e seu tempo livre. Se ainda assim for difícil, dê vazão à sua revolta, expresse as coisas que te incomodam. Viva a realidade de ser explorado no estado constante de vontade de mudança, de construir alternativas. Alternativas surgirão. Em última instância, ao menos abrace o seu justo mal estar, ao invés de sentir medo dele. Para não afundar. O monstro só cresce quando nós guardamos ele embaixo da cama.