Há oito anos moro aqui, vim com o objetivo de estudar, consegui o meu primeiro emprego e cá estou: às 22:37; sentada em uma cadeira em frente a um notebook, escutando uma música qualquer em um radinho que está ligado na tomada desde que cheguei em casa. Casa, tá aí… Quando eu era adolescente, o que mais queria era morar sozinha em uma cidade grande, ser dona do meu próprio nariz. Você também já quis isso?

Fazer novos amigos, comprar cerveja no mercado no final de semana? Pois bem, quando isso aconteceu comigo, me vi sem cama, sem guarda-roupas em um apartamento no qual morava de favor. A primeira noite nesta cidade, como posso explicar… Foi incrível! Isso mesmo! IN-CRÍ-VEL. Vou explicar o por quê, mas calma… Primeiro preciso dizer o que trouxe na mochila: um pincel, um rolo (pequeno pra caramba), uma bandeja, pão e suco em pó sabor laranja. Comprei uma tinta verde clarinho logo que cheguei. Queria muito fazer daquele quarto um espaço maneiro.. Arrumadinho, limpo, cheio de fotos, tipo aqueles das mocinhas que a gente vê em filmes dos Estados Unidos.

Existia uma loja de tintas próxima ao prédio que eu ficaria acomodada, até acredito que ela ainda existe lá, embora tivesse pouquíssimas opções de cores. Sim! Isto foi uma crítica, porque hoje percebo muitas coisas ruins que naquela época eu não enxergava, porque não queria, porque não podia, afinal de contas, eu estava aqui: disposta a viver o meu sonho!

Preparar um cenário lindo era a minha obrigação. Bom, para a menina de 18 anos que eu era, tanto que naquela primeira noite aqui, depois de pintar a parede do meu quarto, deitei na sala, tinha só as luzes dos postes da rua, comi um pão, sem geléia sem nada, que a minha mãe tinha feito e tomei o suco instantâneo diluído em água morna, porque embora eu fosse morar de favor, o apartamento ainda não estava montado, não havia geladeira, nem nada. Aquele foi o melhor lanche da minha vida até ali. Ele tinha gosto de: eu consegui! E este sabor é maravilhoso! Naquela noite eu não senti saudade, frio ou dor.

Naquela noite senti alegria, eu senti que ali estava iniciando uma nova história para a pessoa que eu mais amo e mais torço neste mundo. O casal que me acolheu chegava no dia seguinte  para comprar os eletrodomésticos, camas e tudo mais, depois eu retornaria com eles para a minha cidade, porque também eram de lá, mas a única filha deles estava de mudança para esta cidade com o mesmo objetivo meu: estudar.

Confesso que de oito anos pra cá muitas coisas mudaram, perdi entes queridos, iniciei um relacionamento, terminei, iniciei outro, noivei, fiz amigos, me afastei de alguns. Chorei sozinha. Quase enlouqueci. Retornei a mim. Continuei. Aprendi a ter responsabilidade. Incentivei pessoas. Abriguei outras. Fui a boates, vi uma pegar fogo. Vi tristeza, vi alegria. Conheci gente. Me tornei mais gente. Parei, voltei, respirei, segui. Nestes oitos anos, pensando bem… Eu sobrevivi e vivi! E tenho, sem dúvidas, me esforçado muito para continuar aqui, com a cabeça aberta, com a mesma esperança de quando cheguei, e tenho certeza que as coisas vão indo bem.

E olha que legal! Agora eu tenho uma cama, mas ainda gosto de dormir só com a luz que chega de fora, assim como fiz uma vez quando cheguei aqui. E disso você já sabe. Olha, vou te contar e pedir uma coisa. Muitas vezes olhamos de fora os esforços dos outros e pensamos que eles estão sofrendo. Mas muitas vezes aquele momento de esforço está sendo um dos mais felizes das suas vidas. Você pode imaginar como foi a minha primeira noite aqui, pode imaginar que o chão era úmido, para mim era o mais confortável do mundo, também pode pensar que fiquei com dor na coluna por não ter travesseiro, mas eu digo: não tive dor nenhuma!

Por isso, não julgue. Não duvide. Encare. Tenha fé. Incentive. Nenhum caminho será tão fácil. E talvez sejam nestas dificuldades que existam os melhores aprendizados. Amanhã é o aniversário desta cidade, Santa Maria, coração do Rio Grande do Sul! Eu só tenho a agradecer por todas as pessoas que aqui conheci, pelas quais me apaixonei. Amigos, pacientes, colegas… Professores! Se eu tivesse a oportunidade de iniciar tudo do zero, nem o sabor do suco eu mudaria.