Imagine que você é gorda(o), vai a uma loja e todas as roupas pelas quais se encanta não estão disponíveis para você. Aplique isto a todas as lojas.

Imagine que você é negra(o), vai ao cinema e os protagonistas do filme são todos brancos. Aplique isto a todos os filmes.

Imagine que você mantém um relacionamento homoafetivo, no dia dos namorados vai comprar um presente, mas tem que fingir que é para um(a) amigo(a). Aplique isto a todos os outros momentos.

Imagine que você é cadeirante, vai se locomover na cidade e precisa sempre de ajuda humana, pois não há mobilidade urbana suficiente. Aplique isto a todas as situações.

Imaginou? Sentiu algum incômodo? Leve, médio ou grave incômodo? Nenhum? Então, por favor, leia este texto (e você que sentiu também)!

foto de mulher

Estes exemplos talvez sejam mais fáceis de serem visualizados – com certeza difíceis de serem vivenciados – mas lhes afirmo que existem experiências mais pesadas do que estas, vai muito além. Talvez seja difícil para alguém no alto de seus privilégios[1] identificar, mas elas estão por aí, as vezes bem ao nosso lado. Há ainda outros grupos que fogem ao padrão[2] e são discriminados[3] todos os dias o tempo inteiro.

O fato de tais condições sociais pouco ou nada nos importarem é pelo seguinte motivo: a maioria de nós tem dificuldade de aplicar a empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro imaginando-se nas mesmas circunstâncias que este vivencia. Uns porque realmente não estão interessados, outros por falta de incentivo ou por ignorância etc. O fato é que não sentir empatia não é crime, porém afeta toda a estrutura da nossa sociedade. Uma vez que a carência de compreensão torna o diálogo e troca de experiências infrutíferas, beirando ou adentrando conflitos. A convivência se torna pesada, difícil, destrutiva, intolerante.

Não é porque você não sente ou não vive determinada circunstância que outra pessoa também não. O fato de não enxergar não significa que não esteja ali.  Durante o nosso dia enfrentamos o mundo. Colocamos a cara na rua e estamos acessíveis a qualquer tipo de situação. Qualquer uma. Dependendo de como cada um é – para e na estrutura social – vai sentir mais ou menos. Este fenômeno se dá pela condição histórica em que cada ser humano está submetido, pela forma que fomos construídos enquanto sociedade. Precisamos entender que isto existe, e está divido entre privilégios e opressões, em diversas escalas. É cruel, e se você não pensa assim, provavelmente signifique que alguém aqui é altamente privilegiado.

Querido ser humano, não estamos aqui apontando ou julgando, trata-se da dura realidade.

De quem as pessoas têm medo na rua de noite no escuro? Do negro ou do branco?

De quem as pessoas riem? Da magra (o) ou da gorda (o)?

De quem se espera mais? Da mãe que é solteira ou do pai que é solteiro?

Quem é proibido de demonstrar afeto em público? O casal hetero ou homoafetivo?

Quem sempre ouviu que seu cabelo é ruim?

Quem já foi chamado de aberração?

Quem já foi apelidado de termos pejorativos em função da aparência ou condição social?

Quem já sofreu violência doméstica?

Quem já foi arrancado do próprio lar?

Quem?

Você?

Se sim, eu sinto muito.

Se não, entenda: não se aplica a própria experiência garganta a baixo de todas as outras pessoas deste mundo. E nem de uma só.

O que VOCÊ vive é diferente do que o OUTRO vive. Então o que te faz acreditar que pode simplesmente passar por cima daquilo que o outro afirma sofrer? Como se sente quando fazem isso com você?

Em dados momentos só nos damos conta de algo quando acontece com alguém próximo ou então a nós mesmos. Às vezes tão pouco.

Parece-nos que há uma eterna disputa de ego onde não há diálogo algum, apenas a defesa de opiniões próprias a qualquer custo numa espécie de busca pelo poder ilusório onde não interessa o compartilhamento de idéias que nos permite aprender um com o outro e vice-versa. Desaprendemos a conversar.

O preconceito e as suas formas de discriminação estão enraizados por aspectos culturais e sociais que atravessam décadas e séculos justamente pela permanência de uma estrutura social desigual. Através desta realidade se percebe a indispensável urgência de uma reeducação social sobre a qualidade de ser, para que se alcance uma condição real de respeito e alteridade, que são necessários para um equilíbrio coletivo.

Como dito anteriormente, não existem verdades absolutas, todos estamos aqui para aprender. Mas silenciar o outro e em seguida tapar os próprios ouvidos com certeza não irá resolver os problemas do mundo. Nem a princípio. Falta-nos humildade e sensibilidade, não precisamos ser tão duros assim, somos seres humanos. Equivocamos-nos o tempo todo e não há problema em reconhecermos. Por mais que não queiramos assumir, somos frágeis em nossa fortaleza.

“Educar-se é impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano”.

Paulo Freire, nascido em 1921, Recife, Pernambuco. Formado em Direito, foi professor, inspirou dentro de sua filosofia educacional. Guiado pelo espírito da comunidade e cooperação. Sempre presente seu senso de humor e a não menos constante indignação contra todo tipo de injustiça[4].

Todos discursam sobre a necessidade de mudanças, em todos os âmbitos, então, nesta perspectiva e apesar do clichê: por que não iniciarmos por nós mesmos? Será sempre o mais difícil, mas que valerá mais o significado. Quando uma parte não vai bem, abala todo o sistema. Talvez possamos ouvir mais e falar menos. A prática da empatia não vai fazer mal a você, apenas fará bem ao próximo.

Até mais ver,

Gratidão!

[1] “Vantagem (ou direito) atribuída a uma pessoa e/ou grupo de pessoas em detrimento dos demais” vide Dicionário Comum.

[2] Padrão preestabelecido pela sociedade, como por exemplo: homem + mulher + filho (a) = família.

[3] Discriminação é o ato do preconceito.  Preconceito é interiorizado, pensa-se algo. Discriminação é exteriorizado, age-se, ofende-se.

[4] Para saber mais: < https://www.paulofreire.org/paulo-freire-patrono-da-educacao-brasileira >