Quando uma pessoa vive um relacionamento ruim é difícil perceber que ele o é (no mais das vezes), pois de dentro da situação é mais complexo analisar o que se vive. O dia a dia e o que acontece nele muitas vezes tornam-se naturalizados, ou seja, aquilo que visto de fora não seria considerado adequado/normal, quando sucede diversas vezes e num círculo fechado acaba por ser encarado como tal.

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Quando a pessoa enfim percebe que o relacionamento já não mais faz bem a ela, vai tentando se desconectar aos poucos, cada qual com seu ritmo e força. Algumas pessoas se deixam levar por anos, outras por meses, dias e por aí vai. Ainda que quando consegue se afastar por definitivo. Mais especificamente sobre as mulheres, estas com certeza analisam todas as circunstâncias (e além) que em seu juízo devam ser consideradas. Geralmente gira em torno dos filhos – se os tiver – e família. Os amigos. Aquilo que o casal “construiu” junto sejam a história ou o patrimônio etc. É visível que para as mulheres é sempre mais penoso terminar um relacionamento, seja pela visão romântica construída no decorrer de suas vidas, pelos motivos já citados ou outros mais. Digo que é visível por pura observação social: quantas mulheres ao seu redor permaneceram em relacionamento que não as satisfazia por medo do que viria após?

Em envolvimentos onde há o abuso – como já dialogado nesta coluna anteriormente, segue o link a baixo[1] – a complexidade se verifica ainda mais acentuada, porque há motivos mais do que reais para ocorrer o afastamento. A mulher não precisa – e nem deve – se sujeitar a agressões de todo tipo. Agressão não é apenas violência física. E ao contrário do que se acredita e propaga vida a fora, não é responsabilidade de a mulher observar o comportamento do companheiro, mas sim que este companheiro não tem o direito de se comportar de maneira abusiva. Quantas de nós já não ouvimos “se ela apanha e continua com ele é porque gosta” ou então “ela não percebeu antes que ele era assim?”. Alguém me responde por que afinal a pessoa ferida é culpada pelo dano sofrido?

Mulheres, se propagarmos o discurso de que é permitido outra mulher sofrer violência porque ela “aceita” estamos concordando que isso um dia possa nos ocorrer também. “Ah mas este tipo de coisa nunca aconteceria comigo, eu não permitiria”. É mesmo? Pense por uns minutos: nunca se sentiu angustiada e se questionou sobre o tratamento do parceiro para contigo? A maioria dos relacionamentos atuais – e muito mais os antigos – estão sob códigos secretos de hierarquia de poder, onde o homem tem liberdade exacerbada, inclusive para maltratar a companheira. Nossa liberdade, enquanto mulheres, é limitada. Em todos os meios somos tolhidas. São pontos que precisam ser refletidos. Não é uma afronta aos homens, não é um pedido de extinção destes, mas sim de um sistema que os coloca acima das mulheres. Sistema este que perdura por séculos.

E aí que está: geralmente começamos a perceber toda esta bagunça após um coração partido pelo sistema, pelo homem que o representa. O pai, o namorado, o marido, o avô, o tio, o primo, o irmão etc. Quando nos deparamos com um momento de ruptura, nos colocamos a pensar, e muitas de nós saímos mais fortes, sendo que as que quedam mais fragilizadas necessitam de nossa ajuda.

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Nestas voltas observando o mundo ao meu redor percebi que muitas meninas e mulheres que iniciaram sua imposição ao que não as agrada geralmente o fizeram a partir de interrupção grave de relacionamento, e isso seria ótimo caso não ocorresse a dor decorrente desse tipo de situação. Mas olhando ainda por outro ângulo: que bom que essas mulheres têm percebido a situação desagradável – para dizer o mínimo – em que se encontravam e não se conformaram. Disseram não, e seguiram em frente. Isso é ato de resistência: dizer não ao que se naturalizou, mas que não gera resultados positivos.

É preciso falar sobre isso. Muitas jovens permanecem em relacionamentos destrutivos pelos discursos que ouviram, pelas pessoas com as quais não pode contar, pelo medo do eu virá a seguir. E assim o ciclo se repete geração após geração. Não vai ser fácil romper. Pessoas irão criticar. Talvez o parceiro mostre um lado ainda pior. A insegurança pode predominar durante todo o tempo. Mas pior é se conformar com a ideia de uma vida ruim até o fim. Pior é ter a visão de que “é assim mesmo e sempre vai ser”, porque não é, mudanças já ocorreram, e para que melhores surjam depende de nós. Sim, a culpa não é nossa, mas a coragem e força tem de ser. Por que estamos dentro do sistema, e se nós não o atravessarmos, ele nos atravessa.

 

[1] Link: https://medictando.com/colunas/essencia-e-pluralidade/cinco-situacoes-que-mostram-que-voce-vive-um-relacionamento-abusivo/