No Brasil, vivemos momentos complexos, a palavra que mais tem se evidenciado é “crise”. Todos receosos, cada qual por seus motivos, mas de que forma a atual conjuntura influencia em nosso cotidiano e o que de fato ela significa? Acabamos em crise interna também?

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Crise, krisis, que vem do grego significa a tomada de decisão por um juiz ou médico, de acordo com Leonardo Boff[1], é o caminho que se percorre até a tomada de uma decisão, o que faz total sentido para o que o país presencia nestes dias, pois está passando por um trajeto que será decisório para o futuro do país, e a forma como tudo será conduzido produzirá resultados – negativos e/ou positivos.

O sistema político vigente é baseado em nossa Constituição Federal de 1988, sendo ela a máxima para qualquer outra normatização. Pode-se dizer que foi muito bem escrita, em termos formais é uma das mais evoluídas do planeta, porém, para materializá-la apresentam-se dificuldades. Subsiste certa divergência entre normatividade (a Constituição e demais leis) e efetividade (para aplicá-las) e Luigi Ferrajoli[2] orienta de forma didática sobre o tema:

“É o risco que estão correndo hoje as nossas democracias, em razão de dois fenômenos convergentes: o desenvolvimento da ilegalidade no exercício dos próprios poderes públicos normativos, como se manifesta nas violações das garantias e, por isso, na produção de antinomias, e o ainda mais grave defeito de legalidade, como se manifesta na ausência de garantias e, por isso, na existência de lacunas. É o que está ocorrendo tanto nos ordenamentos estatais, quanto e ainda mais nos ordenamentos supranacionais. As razões da crise são múltiplas: a falta de introdução, sobretudo em âmbito supra e internacional das garantias, sejam primárias ou secundárias, dos direitos estabelecidos nas várias cartas e convenções, como também de funções e instituições de garantia à altura dos novos poderes e dos novos problemas globais: o fato de que a política nunca aceitou realmente a sua sujeição ao direito; a perda da memória das tragédias do passado e daqueles “nunca mais!”. (…) É precisamente a crise econômica que ocorre em todos os países do ocidente capitalista, gerada pela desregulação financeira, o principal fator moderno da crise da democracia” (FERRAJOLI, p. 147-148, 2015).

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Luigi Ferrajoli nasceu em Firenze, em 1940. Durante os anos de 1967 a 1975 foi Magistrado e um dos expoentes do movimento italiano Magistratura Democrática. É professor. É doutor honoris causa por diversas universidades. Tem obras publicadas e traduzidas para vários idiomas.

Em resumo, o autor destaca que a violação de garantias previstas nas legislações maiores é o caminho da queda para o que se espera sobre democracia. Sobre isto, alerta o jurista que há uma onda, no Ocidente, ou seja, não apenas num país como o Brasil, mas também na Europa, onde desenvolve-se a desconstituição de nossos ordenamentos, tornando-o mais fragilizado, e a ideia de crise bem como sua crua existência atinge diretamente a vida do cidadão. Diz ele que o estado de crise implica:

“Na redução dos serviços sociais e das garantias da educação e da saúde, no crescimento da pobreza, da precariedade do trabalho e do desemprego, na diminuição dos salários, das pensões, e na restrição dos direitos dos trabalhadores: em suma, na erosão da dimensão substancial da democracia(…) provocada pelas vocações decisionistas, populistas, tendencialmente absolutistas e anticonstitucionais dos poderes políticos”. (FERRAJOLI, p. 147-148, 2015).

Já se encontrou numa destas situações neste meio tempo? Como viemos parar aqui? A crise interna sucumbiu a externa, e a externa passou a ter total influencia interna. Será que estamos todos no caminho para a tomada de decisão? Afinal, este é o país onde vivemos, e ele passa por momento turbulento, sendo que parte da responsabilidade é nossa, nós também o conduzimos em distinta forma, porém tomamos variados caminhos e nos perdemos um dos outros e pelo próprio trajeto. Chegamos no ponto em que deveríamos tomar a decisão, superar a crise, no entanto, paralisamos, e a sensação é de inércia. E a ideia de que o controle estava em nossas mãos – se é que ela existiu em algum momento – se esvaiu. E agora? Permaneceremos para sempre no estado de crise? O que nós podemos fazer? Ou então agora nada disto é encargo nosso?

Os ensinamentos do professor Luigi Ferrajoli nos mostra que sim, há a grande onda de insatisfação com os sistemas (não só no Brasil), que em certa medida eles tem se mostrado ineficazes – os sistemas – mas que os resultados surgem de acordo com conclusão plural, ou seja, não é válido reproduzir o discurso de que o problema está em apenas um ponto, excluindo a própria atuação do ser humano como cidadão na e para a sociedade. Tudo isto para dizer – talvez até reiteradamente – que se há de fato uma crise no país, sendo ela política, econômica, social etc., e as crises internas, todos temos parcela de dever sobre. A famosa crise está nas nossas costas também, e agora, o que cada um faz sobre ela, é reflexão própria.

Lembremos leitoras e leitores, que assim como as ondas podem nos lavar e levar o que há de ruim, podem também, nos mais das vezes, serem devastadoras.

Atualmente parece que houve uma perda de memória em muitos países. As Constituições e o constitucionalismo parecem removidos do horizonte da política. E com a memória desapareceu também a energia política, cujo exaurimento é talvez o principal fator da hodierna crise da democracia.” (FERRAJOLI, p. 253, 2015).

Que a memória dos acontecimentos do passado nos atinja como uma onda devastadora, para que reflitamos e então a partir de uma onda tranquila leve-se o que não serve (?)

Por ter chegado até aqui, gratidão!

 

[1] Em grego, krisis, crise, significa a decisão tomada por um juiz ou um médico. O juiz pesa e sopesa os prós e os contras e o médico conjuga os vários sintomas; então, ambos tomam a decisão pelo tipo de sentença ou pelo tipo de doença. Esse processo decisório é chamado crise. O Evangelho de São João usa 30 vezes a palavra crise no sentido de decisão. Jesus comparece como a crise do mundo, pois obriga as pessoas a se decidirem. BOFF, Leonardo.

FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza e outras. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.