A história da raça humana é contada predominantemente por homens e em decorrência disto as mulheres restam prejudicadas, pois o que lhes compete foi esquecido ou simplesmente ignorado. A atuação e papel na sociedade desde a mulher primitiva até a atual são raramente relatados em obras históricas, e quando o são, é através do viés feminista[1] que há a contraposição. Para falar sobre a história das mulheres é necessário recusar a ideia de que elas são em si um objeto de história. Seu lugar e condição, seus papéis e poderes – Deusa, Madona, Feiticeira – as suas formas, seu silêncio e sua palavra que se devem perscrutar: captar a diversidade das suas representações nas suas (i)mutabilidades.

Por volta de 2300 anos antes de Cristo, quando emergiu a humanidade da escuridão da pré-história, Deus era mulher. E que mulher! Por meio de dados históricos confirma-se que em várias partes do mundo houve intensa veneração pela “Grande Mãe”, a “Grande Deusa”, apesar da forte neutralização e sucumbência no decorrer da história. A mulher e sua feminilidade tornaram-se foco e isto perdurou por longo tempo. Em dado momento reverenciou-se a Deusa da Terra e o Deus do céu. Os dois em comunhão e harmonia, porém, tal contexto se perdeu e a Grande Mãe foi “superada”. Como seria possível, já que nunca se ouviu falar sobre a antiga religião? (Bingo! Viu só? Tem algo bem soterrado aqui, pesquise e aprecie).

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Essa veneração à Deusa e aos seus ritmos naturais resultava num status mais acentuado para as mulheres e a todos os aspectos femininos, refletindo num governo do matriarcado onde os homens cediam diante das mulheres, elas possuíam e controlavam o dinheiro, bem como, as propriedades, escolhiam seus parceiros e eram respeitadas nos contratos de casamento, gozavam de liberdades físicas, regimentos de mulheres lutavam contra homens, e reclamavam liberdade total. A liberdade sexual era plenamente exercida. O valor atribuído às mulheres parecia eterno até que novos sistemas se ergueram e as ordens foram invertidas em um vasto caminho até chegar ao que temos hoje[2].

 Independente do que se acredita, não podemos, não queremos e nem devemos apagar a história. Por mais que se considere ilógico. Crenças não precisam ser bruscamente modificadas, porém é necessário entender que o mundo vai além daquilo que afirmamos veemente.  E mais, é perceptível que a crença de um povo é determinante para realocar o papel da mulher na sociedade, seu significado e seus direitos. A mulher era a própria representação da Deusa na Terra, assim como os homens o são hoje em dia nas religiões predominantes. Há algo maior que nos conecta a todos, basta saber a forma que conduziremos isto.

Neste último dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, ficou visível a necessidade de reflexão sobre a data. Ele deve representar a luta de todas aquelas que deram suas vidas[3] em nome de direitos atuais, bem como a luta diária de todas as mulheres em busca de exercerem sua liberdade sem cerceamento e conviverem em sociedade dentro da percepção da dignidade enquanto seres humanos. E é nesta perspectiva que nos deparamos com o empoderamento feminino, que se caracteriza pela busca da equidade de forças entre homem e mulher, para que esta assuma o papel de ser humano e não de fêmea[4], para que ela possa restabelecer o que foi desarraigado e sucateado com o passar dos séculos. Para se atingir a igualdade é necessária a prática contingente, decidir por não mais ignorar a diferença, mas sim levá-la em consideração[5].

Nós mulheres somos guerreiras, no sentido mais amplo da palavra. Todas são, sem exceção. Cada qual com sua luta diária, com seu peso diário de o ser quem são. Já intuímos tantas coisas, mas é necessário resgatarmos o que ficou para trás. Resgatarmo-nos. Precisamos reaprender a amar e a compreender, e assim curarmos umas às outras. Abraçarmos-nos. A força, o poder, a coragem, a beleza e a receptividade da Deusa estão em nós, na acepção que couber. Podemos despertar e acolher umas as outras, viver em comunhão, de braços estendidos, pois sabemos da essência de cada uma, afinal compartilhamos da mesma. Quando nos encontrarmos todas, poderemos seguir a diante com a segurança, que quando precisarmos enfim, lá estará alguém para nos proteger. Um voto de confiança a uma mulher, um passo atrás com quem já nos fez mal.

Feliz segunda feira,

Gratidão!

[1] Movimento liderado e protagonizado por mulheres que tem por objetivo a equidade de gênero/direitos.

[2] MILES, Rosalind. A história do mundo pela mulher. Tradução de Bárbara Heliodora. Rio de Janeiro. LTC, Casa Maria Editora, 1989.

[3] No Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano. Disponível em: < https://pfdc.pgr.mpf.mp.br/pfdc/informacao-e-comunicacao/eventos/mulher/dia-da-mulher/historico-do-dia-da-mulher >

[4] O homem é definido como ser humano e a mulher é definida como fêmea. Quando ela comporta-se como um ser humano ela é acusada de imitar o macho. Simone de Beauvoir.

[5] SCOTT, Joan W. O enigma da igualdade. Estudos Feministas, Florianópolis, 13(1): 216, janeiro-abril/2005. Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/ref/v13n1/a02v13n1.pdf >.