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Quantas vezes você se cobrou hoje sobre a sua aparência? Se sente representada(o) pela maioria das pessoas que aparecem nas revistas e propagandas? Pessoas gordas, negras, com alguma deficiência física e etc, têm sua representatividade esmagada nestes meios, e não somente neles, mas se dividirmos o grupo entre homens e mulheres, cis ou trans[1], perceberemos que as mulheres são infinitamente mais cobradas do que os homens sobre a aparência. Os homens possuem mais liberdade do que as mulheres sobre o próprio corpo – e aqui podemos aplicar em todos os sentidos, porém neste momento o foco é a aparência. Exemplos básicos, salvo casos isolados:

  • Homem pode ficar careca, mas mulher não pode deixar o cabelo embranquecer.
  • Homem pode criar a barriguinha de cerveja, a mulher não pode ter celulite.
  • Homem não precisa fazer as unhas, se depilar, já se a mulher deixa de pintar o cabelo é tachada de desleixada.

O cuidado com o corpo é diferente da exigência externa que nos é imposta em benefício – geralmente monetário – de outrem, de um terceiro. Pode-se dizer que isso se dá pela existência de um sistema secular onde cobranças determinadas são destinadas a grupos específicos. Por exemplo, desde cedo do menino é esperado que pratique esportes como o futebol, seja ativo, e paquere as meninas, sendo que acontece ao contrário com elas, ou seja, se espera que as garotas sejam calmas, dóceis, brinquem de boneca e espere pelo garoto. E se o menino quiser brincar de boneca e a menina de carrinho?

O sistema citado pode ser nomeado de patriarcal[2] e se difere dos outros sistemas de dominação, como a estrutura de classes ou o racismo, porque vai ao ponto principal das relações sociais e da questão psicológica, que é o desejo. O patriarcado em si contribui para a passividade feminina prematuramente através de histórias populares infantis como Bela Adormecida, Branca de Neve e Cinderela, onde todas elas se comportam de forma adequada e feminina, através da docilidade e atos gentis, para que ao final recebam a grande recompensa, que é o tão esperado príncipe encantado[3].

A própria cultura do culto ao corpo é resultado de tal sistema, que desemboca nas exigências da sociedade (e das próprias mulheres para com elas mesmas!). Novamente recorre-se aos contos infantis, onde a bruxa feia é sempre a má, e a princesa é linda e por isso é boa. Assemelham a feiúra àquilo que é ruim, e a beleza ao que é bom. Mas o que é feio, bonito, bom ou ruim? A cobrança midiática é uma forma de violência explícita contra as mulheres, pois muitas acabam se submetendo a circunstâncias extremas para se adequar àquilo que lhes é cobrado e quando não atingem o resultado esperado – pois geralmente é inatingível – as conseqüências são grosseiras.

Somos cobradas? Somos. Faz muito tempo? Faz. Devemos corresponder com as expectativas alheias? Provável que não. Não há algo de errado conosco por sermos diferente daquilo que vemos na revista, mas talvez haja algo de errado nas capas de revistas, que ano após ano, parecem todas iguais.

“Aceitar-se a si mesma como mulher é demitir-se e mutilar-se; e se a demissão é tentadora, a mutilação é odiosa[4]

 

[1] Pessoas cisgênero são aquelas que se identificam com o gênero que nasceram, sexo feminino ou masculino. Pessoas transgênero são aquelas que não se identificam com o gênero/sexo que lhe foi imposto ao nascimento. Dúvidas sobre o assunto disque 100, opção 4.

[2] Patriarcado é um sistema social criado/coordenado/guiado por e para homens, onde se busca a satisfação dos mesmos nas mais diversas áreas, ignorando-se os anseios dos demais membros da sociedade.

[3] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. v. 2

[4] BEAUVOIR, Simone de. Idem.