adao e eva no paraiso

O Jardim do Éden, tela de Erastus Salisbury Field (1805 – 1900)

E a ciência tende a concordar com isso. É bem provável que essa escolha não tenha sido um instante de desobediência e que não tenha nenhuma relação com a ingestão de uma fruta proibida.

Dificilmente foi num lindo dia de sol em que uma mulher acordou bem disposta, trocou uma ideia com uma cobra e disse ao companheiro: “Adão, hoje vamos sair do paraíso. Come aqui essa maçã…”. Certamente essa escolha não produziu um ato único e nem consequências instantâneas.

Mas, o fato é que, consciente ou inconscientemente, por necessidade ou circunstância, nós fizemos essa escolha. E hoje pagamos o preço por isso. Não que esse preço seja algo ruim. Temos também vantagens por ter descido da árvore ou, como se diz por aí, comido a maçã.

Sob o ponto de vista científico, é importante que compreendamos a expressão “algum momento” como uma sucessão de fatos e transformações que culminaram em um resultado que a ciência possa considerar bem sucedido.

Bem sucedido = transmitido para a geração seguinte.

Nessa linha de estudos, nós somos a geração que herdou a escolha da saída do paraíso.

Somos o que o zoólogo Desmond Morris chama de macaco nu, tendo inclusive escrito um livro com esse nome.

O livro é antigo, de 1967. Eu o considero bastante controverso. Muito do que ali está acho que é até perigoso que seja estabelecido como verdade. Mas ele tem uma proposta interessante. Morris observa a espécie humana não sob o ponto de vista de um sociólogo ou antropólogo, mas ele busca aplicar as técnicas de observação do seu trabalho: a zoologia.

Sim. Ele tenta nos observar como criaturas a serem estudadas sob o ponto de vista da ciência biológica. Esse é o ponto controverso e polêmico do seu trabalho que, sim, apresenta alguns pontos de vista que podem ser considerados absurdos já que é praticamente impossível desgrudar o ser humano da sua carga cultural e social.

Mas no seu livro O Macaco Nu, Morris explica uma das teorias mais aceitas até hoje sobre como saímos do paraíso e nos tornamos o que somos, aí sim, a partir do surgimento da cultura. E essa análise não é de se jogar fora.

Segundo essa teoria, no começo de tudo, éramos essencialmente frugívoros. Raramente arriscávamos algum inseto, mas só mesmo em caso de extrema necessidade.

Vivíamos sobre as árvores e, na ~vagabundagem~ – ou felicidade, eu diria – limitávamo-nos a esticar o braço e a colher a fruta ou o broto que estivesse ao nosso alcance para matar a fome.

Até vivíamos em grupos, mas pouco precisávamos uns dos outros. Vivíamos dia após dia. Os dias eram feitos para pular de galho em galho em busca de frutos maduros e as noites, para dormir. E fim. Sem necessidade de responsabilidade ou planejamento. Era o Hakuna Matata na sua plenitude.

Mas, o mundo mudou e transformarmos nossos hábitos por completo, se tornando uma questão de sobrevivência. Houve uma “inversão de valores” (desculpem, não pude perder essa ironia rsrs). Nós nos vimos forçados a aventurar por novas experiências. Descemos das árvores e experimentamos comer… carne.

E para conseguir carne, passamos a gastar mais energia. O gasto maior de energia e a disposição menor de comida passaram a exigir planejamento. A busca por comida, agora perigosa, impôs responsabilidade. Ela já não estava mais ao alcance das mãos e passamos a precisar de ajuda. Além disso, os filhos passaram a depender cada vez mais dos pais.

A manutenção da vida começou a ter um preço. Foi a partir daqui que saímos do paraíso. Mas, ao mesmo tempo, aprendemos sobre cooperação. Sobre cuidado. E então, ainda de acordo com essa mesma suposição científica, foi quando nasceu o Amor, essa substância capaz de nos manter unidos.

Mas, como às vezes acontece com a luz, com ele também nasceu a treva. Nasceu o ódio, que é a outra face extrema da mesma moeda. Nossas relações passaram a existir sobre o fio de uma navalha.

E esse é o caminho da consciência. Caminhar sobre ele é andar num slackline. O meio sempre será o equilíbrio. Qualquer pendida para um dos lados, seremos engolidos pela dualidade e pela mentira de que há uma divisão perfeita entre amor e ódio.

De nada adiantaria permanecermos no paraíso. A ingenuidade e a inocência são inúteis sem consciência. Da mesma forma, embora em um momento inicial a gente possa até acreditar que, excluindo nossos “companheiros de caça” vamos sair ganhando, a verdade é que nunca alcançaremos a felicidade sozinhos. Vamos morrer de fome.

Portanto, pouco importa se você prefere acreditar em Adão e Eva ou na teoria do macaco nu. O importante é sabermos que se entramos nessa jornada, foi para fabricarmos consciência. E nada mais.