“Será que somos um acidente biológico ou um imperativo cósmico?”, questiona no seu O Livro de Ouro da Evolução – O Triunfo de uma Ideia, o escritor e pesquisador Carl Zimmer.
Depois de discorrer detalhadamente sobre a teoria da evolução das espécies, seu surgimento e sua… evolução rsrs… até que deixasse de ser uma teoria para se tornar uma das mais importantes referências científicas no mundo, Zimmer traz no último capítulo o questionamento que grande parte dos seus leitores, acredito eu, deve se fazer: e quanto a Deus?
Faz muito tempo que não frequento mais nada ligado a religião alguma. Já passei por muitas, muitas mesmo, das mais comuns às mais exóticas. Já frequentei grupos que se dizem filosóficos, já aderi a modos de vida variados, já estudei sobre tantas outras correntes, que nunca pratiquei, mas quis ao menos conhecer o seu caderno de receitas.
A conclusão é que, tanto no lado bom, como no lado ruim, praticamente todas têm muitos pontos em comum, mesmo entre as religiões monoteístas e politeístas. O principal deles é a crença no sobrenatural, numa parte invisível que sustenta a vida. Todas têm aquele momento íntimo e sagrado, seja numa oração, numa meditação ou num ritual em que se busca a conexão com uma força considerada superior, ora divinal, ora satânica.
Divina ou satânica.
Estamos novamente no ponto inicial desta reflexão. Divino ou satânico. Deus ou ciência. Bíblia ou Darwin. E eu troco a pergunta do capítulo final do livro de Zimmer pela questão: por que precisamos sempre excluir um para ficar com o outro?
Não consegui descobrir ainda em que momento isso aconteceu, mas o que venho notando ao longo do meu caminhar é que nos tornamos escravos da dualidade, o que faz de nós, seres deterministas. E isso é péssimo tanto para a religião, como para a ciência. Nenhuma das duas tem todas as respostas. Nenhuma delas, sozinha, é capaz de saciar todas as nossas inquietudes.
A ciência também trabalha com forças invisíveis, como processos químicos que ainda não se sabe como ou porquê ocorrem ou onde surgiram os códigos que fazem com que aconteçam.
Deus é uma hipótese. A Evolução, também.
Sacerdotes e cientistas apontam dezenas de evidências que podem provar que estão certos em detrimento um do outro. Mas, um não anula o outro. Ambos continuam tendo o mesmo direito de existir e de apostar tudo nas suas convicções. Enquanto isso, eu e você, que não somos nem um nem outro, continuamos prestando atenção nos dois.
E segue o baile da vida. Moléculas continuam deixando seu legado e sentimentos inexplicáveis mantêm os movimentos que nos impulsionam a fazer escolhas. Como representado no lemniscate, um exerce inexorável influência sobre o outro e nenhum de nós tem controle absoluto sobre isso. E é só por isso que a vida fascina tanto.
Tendo como referência o cristianismo, na Bíblia, em Matheus 16:24, Jesus diz aos seus discípulos: “Quem quiser me seguir, que negue a si mesmo”. Semelhante mensagem encontramos no Bhagavad Gita – um dos livros mais sagrados com os quais a Índia presenteou o mundo – em que Arjuna vive grandes batalhas que, figurativamente e em linhas gerais, seriam guerras internas numa intensa depuração espiritual que o levaria à iluminação. Um iluminado é aquele cara que alcança todas as respostas não sem antes, na maioria das vezes, passar por diferentes batalhas.
As perguntas.
As batalhas começam com as perguntas.
E tudo na ciência começa com uma pergunta. Uma resposta, ainda que hipotética ou não, se multiplica em outras dúzias de perguntas. Da mesma forma, a iluminação se faz aos poucos.
Em qualquer um dos processos, o iluminado precisa negar a si mesmo. Precisa ter humildade para perceber que não sabe de nada e que tudo o que tem é um punhado de suposições que podem estar erradas. Precisa ter a clara consciência de que poderá alcançar uma resposta completamente adversa do que espera e, antes de tudo, para ser feliz, sua maleta tem que estar cheia de zero expectativa.
O voo da serpente emplumada ou o triunfo de uma ideia só se dão depois que as multidões se calam.
O oposto do sagrado pode ser o profano. O profano pode ser a origem do que hoje é consagrado. A ciência pode estudar os dois. Conhecimentos diferentes não precisam excluir um ao outro. Deus e Darwin são a prova de que só quando essa exclusão burra acontece é que pastores de mau caráter e ateus fundamentalistas se transformam exatamente na mesma coisa.
E então nasce o desrespeito.
A grande semente da guerra. As sementes da guerra, por sua vez, são aladas e espalham a dualidade com o vento. A dualidade infesta mentes e corações feito erva daninha. Enraíza a falsa ideia de que um cientista não pode acreditar no anímico ou que um devoto não pode aprender sobre o legado de Darwin na escola.
É quando começa aquele espetáculo dantesco da deturpação e nós, a turba, nos apropriamos de forma rasa e mal intencionada das experiências e dos ensinamentos de todas aquelas criaturas sagradas e profanas que não queriam nada mais do que compartilhar conosco tudo aquilo de mais incrível que puderam descobrir enquanto por aqui estiveram.
No mundo da dualidade, escolher tanto um lado como escolher o outro significa escolher exatamente a mesma escuridão.
Saudades de ler um texto teu, Gi!!!! E gostei muito, além de compartilhar deste sentimento de que uma coisa não exclui a outra! Será que precisaremos criar uma religião baseada nisso pra começar a dar certa essa coisa chamada Humanidade???? 😀
Rômulo! Que maravilha saber que vais estar por aqui me acompanhando 🙂 Como comentei contigo antes, bom é perceber a qualidade dos nossos leitores aqui no Medictando. Primeira linha! Obrigada, muito! E quanto a criar uma outra religião, acho que não é o caminho. Tudo o que precisa ser dito já foi dito. E vivido, até. Nós que somos os porcos e não sabemos o que fazer com as pérolas. Uma nova religião seria apenas como um avião nas mãos de um exército. Uma caneta pode servir para escrever, como também serve para matar ou para salvar a vida de uma pessoa afogada… Não é o material, mas o uso que se faz dele. E como conversei outro dia com alguém, nosso esforço íntimo por NÃO querer ser a parte do experimento que não deu certo já faz da Humanidade uma coisa que deu certo hahahaha Um abraço!
Algo me diz que é tudo culpa de Platão. Antes dele, os dualismos meio que não existiam. Ele fez o primeiro registro de negação da vida terrena, imperfeita, em prol de algo superior que nos anima (anima = alma) e que está preso a nós por forças desconhecidas. Como se fôssemos porcaria suja contra algo que se apieda e nos procura fazer melhores (porque, por si, não somos bons o suficiente). :/
Oi Jessica! Que belezura você por aqui! 🙂 Sim, é verdade, Platão deixou esse legado. Mas eu ainda me pergunto se foram os seus registros que deram origem ao pensamento dual ou se ele apenas detectou uma forma de pensamento que já existia e o trouxe à tona, mostrando-nos uma tendência de pensar. Preciso estudar mais (muito mais) sobre todas essas coisas e essa tua contribuição foi fundamental pra acender várias luzes aqui dentro. Obrigada! Agora, independente da resposta, vê como a gente ainda não se desgrudou de tanta coisa que já poderia estar compreendida? :/ rsrs