Na semana passada ensaiei aqui outra versão ou uma inversão sobre nossa consciência de indivíduos e a possibilidade de nos entendermos como partes interdependentes de um sistema.
Claro que esta não é uma ideia minha, Edgard Morin já trouxe em Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro a importância de uma consciência planetária, de nos vermos como espécie, sugerindo que somos todos filhos da biosfera. A visão sistêmica pode ter nascido na Física, mas hoje está inclusive na Administração, é também uma visão ecológica e perpassa várias outras áreas do conhecimento humano.
Mas o meu objetivo aqui é contribuir para a melhoria da qualidade de vida, da saúde e felicidade das pessoas que leem esta coluna. Então parto hoje do ponto em que somente saber não é suficiente para provocar mudanças. Ler algo ou assistir a um filme com uma mensagem tocante e continuar vivendo como sempre, como a grande massa, não adianta muita coisa. Para que o conhecimento provoque mudanças reais em nós e ao redor é imprescindível refletir, discutir e pôr em prática. Pôr em prática, neste caso, é agir diferente, ser diferente, experimentar novos modos de vida, conversar sobre o assunto, construir os próprios caminhos e isso requer certa dose de coragem, visto que estamos mergulhados em uma sociedade julgadora e enferma.
Certo dia, perguntei aos meus alunos, adolescentes e jovens do Ensino Médio, por que eles iam à escola. Uma resposta em especial me chocou.
Disse o aluno:
“Ora, professor, eu venho à escola para ser alguém na vida.”
Pode parecer uma boa resposta, muito lógica, mas a entendi como um absurdo. Essa resposta significou para mim que aquele jovem, já com seus 17 anos, com cerca de 10 anos de escola, com muitos amigos, parentes, conhecimentos, namorada, experiências e saberes não se considerava alguém na vida. E pior ainda, ser alguém na vida para ele significava ter. Ter uma profissão, ter uma casa, um carro, um cargo, uma posição social, uma família…
De forma alguma estou querendo dizer que todas essas coisas não tenham a sua devida importância, apenas quero dizer que é dada importância indevida a elas.
O que o meu aluno expressou foi o que o meio transmitiu a ele, os pais, a escola, os amigos, os parentes, a televisão… E ele naturalizou esse pensamento, internalizou essa ideia. Também não reflete apenas o modo de pensar desse único estudante, mas de muitos, talvez da maioria, infelizmente.
Explico por que me espantou a resposta daquele aluno: porque ser alguém na vida em nada tem a ver com a escola. Primeiro porque a escola não tem muito de bom a ensinar. Segundo porque ser alguém na vida não passa por aquisições e posses e posições. Ser alguém na vida passa por postura interior, passa por ser importante para alguém, passa por ter alguém que nos queira abraçar, passa por ter alguém importante para nós. Ser alguém na vida passa por relacionamentos e contemplação e amor. Ser alguém na vida possa por respeito, compreensão e aceitação. Ser alguém na vida significa apenas ser alguém para outro alguém.
Pausa:
abre parênteses
(estou escrevendo este texto sentado no sofá da sala, com o computador no colo, pertinho da janela. Acabei de ouvir uma menina, que deve ter no máximo 7 anos, dizer para a sua avó:
“amanhã será o pior dia da minha vida.
A avó perguntou:
por quê?
E a criança respondeu:
“Porque amanhã tem escola”.
Hoje é domingo, dia 21 de fevereiro, e amanhã iniciam as aulas na rede pública de ensino. As crianças estão desde dezembro longe da escola, dos professores, dos coleguinhas.) Fecha parênteses.
Continuando: eu dizia que ser alguém na vida nada tem a ver com coisas, mas com pessoas, sentimentos, convivência. Portanto, minha contribuição hoje para a melhoria da qualidade de vida, saúde e felicidade dos leitores e leitoras é provocar reflexão sobre as prioridades que nos colocaram e que assumimos. É refletir sobre o que temos aceitado como importante na vida, sobre a ilusão de que fazemos certas escolhas. Será que não estamos dando importância demais para coisas que não têm nenhuma ou muito pouca importância?
Paremos um pouco e olhemos para a nossa vida, para a vida das cidades, dos centros urbanos, principalmente daquelas cidades um pouco mais populosas. O que vemos?
Primeira palavra que me vem à cabeça é “pressa”. Assim vive boa parte da humanidade, com pressa, atrasada, com urgência, atarefada. Isso provoca desequilíbrio e esse é um fator causador de estresse, de ansiedade e da Síndrome do Pensamento Acelerado, explicada por Augusto Cury. Até parecemos aquele coelho de Alice no País das Maravilhas, sempre atrasados. Mas por que tanta pressa? Aonde pensamos que vamos chegar?
Porque tenho visto muitos morrerem sem chegar.
Aonde se quer ir?
Uma coisa é certa: seja onde for, não é por aí. Não é este o caminho.
Mas como eu, que sou ninguém, posso afirmar isso?
Ora, basta olhar e ver (sim, porque às vezes olhamos, mas não vemos).
As pessoas correm e correm para sentir que são “alguém na vida”, como me disse aquele aluno que fazia o Ensino Técnico pela manhã, almoçava na escola, fazia as aulas do Ensino Médio regular à tarde e, no momento em que lhes fiz aquela pergunta, estávamos em um aulão de reforço à noite.
Antes disso, lecionei por cinco anos em uma renomada escola particular de Florianópolis, em turmas de quarta série, hoje chamada de “quinto ano”, até o “nono ano”, antiga oitava série. Conheci muitas crianças que tomavam drogas de uso psiquiátrico, como Ritalina, que tinham diagnósticos de hiperatividade, depressão, déficit de atenção e algumas que nem mais conseguiam entrar na escola, como um menino de sexta série, totalmente em pânico.
Leitores e leitoras, quando a situação atinge assim as crianças é porque algo está muito errado. Crianças de classe média alta, que além da escola tinham inglês, caratê, futebol, judô, balé, oficinas de artes, de música, aulas de reforço, aulas particulares, acompanhamento psicopedagógico, terapia… Ufa!
Elas “precisam” ser alguém na vida. Os pais, na ilusão de serem bons pais e estarem fazendo bem o seu papel, cobravam, pagavam, enchiam as crianças de atividades. Para ser alguém na vida.
Mas o pior é que os adultos, pais, parentes e professores, igualmente estressados e cobrados, transmitem às crianças o que têm e não o que dizem, então transmitem: estresse, ansiedade, pensamento acelerado, desequilíbrio, hiperatividade, indelicadeza, falta de sensibilidade, pressa e prioridades equivocadas.
Nós frequentemente viajávamos com as crianças para um sítio e lá permanecíamos por três dias, para que elas, criadas em apartamentos, colocassem os pés no chão e aprendessem que o ovo não vem do mercado, mas da galinha, que o leite não vem do mercado, mas da vaca e que frutas dão em árvores e é possível apanhá-las diretamente e comê-las sem morrer contaminados por bactérias.
Queridos e queridas, é por isso que me arrisco a afirmar que estamos com pressa de ir a lugar nenhum. Estamos com pressa de ficar doentes e deixar doentes os outros. Estamos doentes e precisamos parar. Digo isso com amor, porque me entristece ver pessoas correndo de um lado para o outro como autômatos, irritadas e exasperadas com coisas sem nenhuma importância e deixando de lado o que é mais importante: a VIDA. Mas a vida de verdade, não este arremedo de vida com a qual nos acostumamos.
Mas esta é apenas a minha opinião, cada um tem uma história, sua vida e deverá fazer as suas escolhas. Eu há algum tempo fiz algumas escolhas corretas e outras erradas, mas busco, movimento-me, porque movimento e mudança é vida.
Deixei Florianópolis, fui morar em um lugar bem menor e mais lento. Meu filho tinha dez anos, teve a oportunidade de brincar na rua livremente, andar de bicicleta, correr na praia, ir a pé para uma escola mais simples, ter tempo para nós dois, eu e ele e para si mesmo.
Claro que, no meu caso, abri mão de smartphones, de tablets, da TV de “trocentas” polegadas, do carro do ano, dos últimos lançamentos, dos últimos modelos, da TV a cabo, e de muitos outros brinquedinhos infantis e cacarecos que nos mantêm entretidos. Fui morar em uma casa bem simples, sem luxo algum, perto do mar. Eu e meu filho, a natureza e muitos livros.
Ele não teve aula de inglês, mas sabe falar e ler muito bem esse idioma. Meu filho não teve os tênis, a roupas, as mochilas de marca que seus colegas tinham e ostentavam na escola particular, mas em troca teve liberdade, teve um violão, uma guitarra, aprendeu e se apaixonou por música e até pude ensiná-lo a pilotar uma moto. Caminhamos na praia e conversamos muito. Aprendi com ele e ele comigo e crescemos juntos. Ele me conheceu como sou, conheceu meus defeitos, minhas fraquezas e tocou minhas dores. Cresceu saudável, seguro e livre. É inteligente, gentil, companheiro, sem preconceitos. Ele sabe que o amo e o admiro porque digo isso sempre a ele. Nenhum compromisso está acima dele, nenhum dinheiro está acima do nosso relacionamento. Valeu a pena.
Como de nada adianta ficar somente na teoria, no intelectual, na racionalidade, quem tiver interesse de realmente mudar de vida precisa fazer escolhas, optar.
A estratégia que posso compartilhar com vocês é desacelerar, colocar o freio da compreensão em muitos dos nossos impulsos. No meu caso, foi preciso aprender a arte de se contrariar e refrear impulsos. Senti prazer em refrear impulsos simples e bem comuns como comprar algo que achava de suma importância e depois descobri que não tinha importância alguma. Refrear o simples impulso de atravessar a rua correndo, ao invés disso eu aguardo e atravesso bem devagar. Refrear o impulso mental de estar no passado ou no futuro ou em outro lugar que não seja o aqui e o agora. Refrear o impulso de falar o que não é necessário ou quando não é necessário. Não tenho carro, não pego engarrafamento, caminho lentamente até o trabalho e de volta para casa. Se preciso de carro, pego um táxi, que em cidade pequena é bem barato, mais barato do que manter um veículo próprio e aumentar meu estresse com trânsito, impostos, combustível, manutenção e estacionamento. Veja só. Uma simples escolha de não ter um carro me poupa quantas preocupações desnecessárias. Sem contar que deixo de enriquecer empresários e governos corruptos, deixo de contribuir com a poluição e com a extração de combustível fóssil.
Esse é somente um exemplo para, talvez, ajudá-lo a refletir sobre a sua vida, se achar necessário. Mas se você está realmente feliz, saudável e sua família também, lembre-se que somos interdependentes e muitos outros seres humanos, nossos irmãos, partes de nós, não estão. E esse é sim um problema nosso também.
Um dia desses, eu estava chegando em Florianópolis, em um confortável ônibus e da janela eu acompanhava o trânsito na via expressa, antes das pontes. Eram sete horas da manhã, havia um engarrafamento gigante, os carros mal se moviam, se atravessavam uns na frente dos outros, motoristas estressados e irritados falavam ao telefone celular, buzinavam, aceleravam e eu pensei: “Deus, estão assim às sete horas da manhã, como estarão ao final do dia? Por que insistem em se empilhar onde não cabe mais ninguém, onde está desconfortável? Passam por isso todos os dias e não mudam, não questionam?”
Então é assim, crianças doentes, com medo de tudo, odiando a escola, adultos cegos correndo, com pressa, priorizando o lixo em detrimento da vida, pagando caro, um preço tão alto que nem sabem mais o quanto. É preciso entrar em guerra, é preciso deter-se para libertar-se. Mas essa guerra não é contra ninguém, nem faz barulho, nem é violenta. É uma guerra contra si mesmo, porque este modo de vida já está em nós, assumimos, nos cegamos e vivemos automaticamente. É necessário uma in-versão de valores, uma in-versão no curso deste navio fantasma cheio de zumbis, explorados e escravizados. É preciso refletir, pensar, se informar e agir. Agora que esse modo de vida está em nós é aqui e agora que podemos combatê-lo. Em nós mesmos.
Em uma manhã, há poucos dias, tive um acesso de choro depois de ler na internet que crianças sírias estão comendo cães, grama e argila, morrendo de fome por causa da guerra, de um cerco feito à cidade de Madaia. Li isso e imediatamente comecei a chorar compulsivamente. Porque elas são eu, elas são meus filhos e filhas, são partes de mim. E de você. Você queira aceitar ou não. Você queira ver ou não. Você sinta assim ou não.
Eu não posso mudar o mundo, só posso mudar meu mundo, por isso preciso de você, preciso da sua ajuda. Você é o super-herói desta história. Fazemos parte uns dos outros e só posso ser feliz e livre se você também for.
Comece a mudar seu mundo, seja mais feliz, esteja em paz, em equilíbrio e isso repercutirá ao seu redor e irá se expandir como uma onda. Mude seus hábitos, aja devagar, ande devagar, aja com serenidade, seja gentil e carinhoso com todos, ame a todos sem distinção e você verá as mudanças. Você só colherá benefícios, não perderá nada, só tem a ganhar. Por favor, preciso de você, da sua ajuda. O mundo precisa de você, você é importante para mim e para o mundo, entenda isso e me acompanhe, até a próxima estação.
A Paz.
Caíram algumas lágrimas com teu desabafo e tua lição, querido amigo. Um texto para guardar. Para compartilhar.
Obrigado, Rafael.
Querido Luciano, amei. E como nos diz a bela música “ando devagar porque jå tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais…”. Abraços fraternos.
Querida Suzana, é assim mesmo, como diz a música, não tenho mais pressa nem choro e descobri, depois de muito tempo e sofrimento, que basta decidir. A felicidade é uma decisão interior, não mito fácil, mas bem possível. Obrigado por comentar. A Paz.