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Esta coluna se chama In-versões e hoje quero discorrer sobre a inversão de um valor que nos custa bem caro, a todos nós, preço de vidas e que é condizente com o momento em que vivemos em nosso país.

A base de uma pirâmide é que sustenta seu topo, assim como são as raízes que sustentam uma frondosa árvore. E não é somente porque estão embaixo, mas porque são de material mais forte e resistente e são a base, dão sustentação. O material de que é feito, o alicerce de uma casa é bem mais forte e resistente do que o material de que é feito o telhado. Por este motivo, para implodir um prédio, tenha o tamanho que tiver, os explosivos são colocados na sua base, nos seus alicerces, nas colunas e vigas de sustentação e não lá no último andar. Desta forma, quem decide se o topo, o telhado, a cobertura continua de pé é a base, o alicerce, as raízes.

Mas tem um porém: a base, o alicerce, só tem a resistência e a força que tem porque seu material é mais denso do que o material de que é feito o topo, o telhado. Compare-se o material e a densidade das telhas com o material e a densidade do alicerce.

Assim acontece também com o corpo humano. Imagine se os pés estivessem no lugar da cabeça e a cabeça no lugar dos pés, sustentando o peso de todo o corpo? Não resistiria. Deve ser por isto que Aquiles foi vencido sendo atingido nos tendões e não nos cabelos. Sei que, ao contrário, Sansão foi vencido por perder os cabelos, mas aí, literalmente, é outra história.

O que é preciso para pôr abaixo um prédio inteiro de 25 ou 30 andares? Explodir a base.

O que significa explodir a base, o alicerce? Significa dividi-lo em partes menores, colocar estas partes em conflito e desajuste. Pronto, o alicerce perde a força e todo o prédio vem abaixo. Assim é também o procedimento para acabar com uma alta e frondosa árvore, ataca-se a raiz e a árvore cai, porque se as raízes não forem totalmente arrancadas ela volta a brotar.

Esta semana estava eu pilotando uma moto por uma estrada de interior e vi no meio de um campo uma enorme árvore que foi derrubada com a força do vento, mas não morreu. Estava estendida no chão, mas parte das raízes ficou em contato com a terra, então a árvore sobreviveu e começou a crescer em outro sentido, galhos começaram a brotar ao longo de todo o seu tronco em sentido vertical. Aquela árvore encontrou um caminho para continuar vivendo.

Na sociedade este sentido, este valor foi, portanto, habilidosamente invertido, dando a ilusão ao alicerce de que ele está representado pelo topo. O que é uma mentira deslavada. O cume da sociedade explora, utiliza a base para se sustentar, fazendo-a acreditar que é livre, que está representada e que tem o poder através do voto. Mas é somente uma questão de ilusão. Explicarei os porquês.

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É certo que a força, o poder, a decisão deveria estar na base, bem mais numerosa e mais densa, feita de um material bem mais resistente. Este valor foi invertido e então dizemos que o poder e a decisão estão lá no topo (que, diga-se de passagem, está bem baixo).

A base é a população, a massa, os habitantes, as pessoas, cada um de nós. Mesmo na hipótese de considerarmos que o topo é feito do mesmo material que a base, devemos considerar que o cume não tem a mesma densidade, não é tão numeroso quanto o alicerce.

A sociedade humana não é como as construções e as árvores, mas estas podem ser uma metáfora daquela. Pulverizando as opiniões, individualizando, dividindo a base, o alicerce social, que é o povo, este fica enfraquecido, debilitado e assim pode ser facilmente explorado e ludibriado a partir das suas próprias debilidades, necessidades e ilusões.

Mais parecido com a árvore do que com um prédio, ao dividir a base, o edifico social não desmorona derrubando e matando o topo, mas o mantém alimentado e bem nutrido enquanto vive em desalinho.

A inversão neste caso é que o topo ou cume não são eles, os chamados representantes do povo, e nós, aqui embaixo, a base ou alicerce. Na sociedade humana não funciona desta forma, com esta configuração vertical. Tratando-se de sociedade não há cume nem alicerce nem raízes nem topo. Somos como o mar, em que todos os elementos, na horizontal, na vertical, em caótica harmonia são igualmente importantes, pelo simples fato de que não somos uma estrutura fixa, mas um corpo maleável e mutante, vivo e dinâmico.

Embora, é claro, padeçamos de uma doença milenar, não incurável felizmente, chamada inconsciência ou alienação. Não nos damos conta dos inúmeros artifícios que são utilizados para nos manter no estado em que nos encontramos, que vão desde o Prozac, Rivotril e Diazepan até o nosso afã de ser feliz, passando pela escola, pela religiosidade, pelo profissionalismo e pelo compromisso sério que temos com nossos impostos, nosso trabalho, nossas contas, nosso desejo de prosperidade, nossa pretensa intelectualidade e nosso nome.

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Uma das atividades que mais nos mantém sob a ditadura do “topo”, dos “comandantes”, dos “legisladores” é a conversa reclamatória, acusativa, comentarista, de bairro, de vizinhos, de bares, das rodas de amigos e das redes sociais, porque sem nenhum objetivo claro de mudança de atitude, dissipamos nossa energia, nossa ira e insatisfação e voltamos para cocheira dos nossos “sérios” compromissos em paz, convencidos de que não somos alienados e de que somos livres.

Os vícios, o álcool, as drogas, a nulo intelectualismo, os desejos sem controle, a superficialidade, o excesso de trabalho e estresse, a paixão pelas novas e revolucionárias teorias, o afã de consumir, de ter, de competir, o bombardeio de informações e novidades científicas e tecnológicas, o individualismo, o egocentrismo, tudo isto e mais nos mantém ocupados demais para que nos organizemos e falemos sério, sobre assuntos sérios.

A indignação que nos causam certas notícias da televisão não ultrapassa o pequeno espaço que nos separa da telinha. Vai, quando muito, até o próximo desabafo sem sentido nem efeito.

Os moradores de uma rua que estão insatisfeitos com a canalização do esgoto ou com a coleta do lixo falam muito, fazem piadinhas, xingam o “comando”, os “responsáveis, mas são incapazes de se reunirem, todos, todos mesmo, e de entrarem na prefeitura, na câmara de vereadores da sua cidade, no Ministério Público ou na imprensa (porque eles hoje em dia morrem de medo da imprensa), com um documento bem redigido e assinado por todos, com estudo sério e sugestão de soluções, a exigir providência quantas vezes forem necessárias, até que suas reivindicações sejam atendidas.

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As associações de bairro e comunitárias perdem tempo em discussões vazias, bailes e comilanças, mas são incapazes de aproveitarem a riqueza, a preciosidade que têm em mãos, que é a união de pessoas de diferentes áreas de conhecimento. Uma associação comunitária ou de bairro é composta por enfermeiras, advogados, médicas, contadores, publicitários, donas de casa, professores e exímios negociadores, capazes de estudar e formular leis, propor projetos, revisar as contas do governo do município, esquadrinhar as seções da câmara de vereadores, acompanhar as publicações legais, fiscalizar as licitações, requerer informações do poder público da sua cidade, revisar contratos entre a prefeitura e empresas particulares, publicar matérias em jornais, deflagrar campanhas, derrubar corruptos, condenar ladrões, tudo ali, bem pertinho, na sua cidade e no seu bairro.

Mas é claro que isto não é possível, porque estamos ocupados demais com a higiene do nosso próprio umbigo. E alguns, antes de votar nas eleições, fazem o seu preço. Estamos ocupados demais com nossas questões pessoais e afinal, quem manda são eles, os ricos, os políticos, os juízes, os vereadores. É, é bem mais confortável pensar assim, reclamar e continuar confortavelmente sentados em nossas poltronas com o controle na mão, nem que seja o da televisão, o que já nos dá pelo menos mais uma ilusão.

É tão simples, é tão claro, que parece até uma utopia. Mas não é, desde que tomemos a decisão de mudar de atitude. A associação de pessoas é livre e legal, quanto mais gente mais leve fica o trabalho para cada um, cada pessoa tem uma habilidade com que possa contribuir. Basta olhar para o poder mais próximo, o da cidade. Hoje em dia há muitos meios de se ter acesso às informações, tudo é público e publicado, qualquer cidadão pode acompanhar um processo de licitação, uma prestação de contas, um balaço, um contrato, o andamento de um processo no Ministério Público. Mas nenhum cidadão, apesar de reclamar e falar bastante faz isto. Nem mesmo quem entende do assunto, como advogados, contadores, economistas, médicos, professores…

Por isto, o poder está bem aqui em nossas mãos, apenas não sabemos ou não temos vontade de nos comprometer e exercê-lo. A força da união popular, não apenas em manifestações e através do voto, é gigantesca. Qualquer administração municipal se renderia e se adequaria à fiscalização inteligente da população organizada em associações e grupos de estudo e controle, com a ajuda da comunicação e da publicidade.

Os pretensos mandatários agem como querem porque a população dorme, resmunga em seu sonambulismo, mas é incapaz de reconhecer sua força, seu poder, unir seu capital humano e intelectual, dirigir esforços, dividir tarefas e unidos agirem. As associações de bairros e ruas têm a vantagem de contarem com a diversidade, com a sabedoria dos mais velhos e com o ímpeto dos mais jovens, e com a falta de preparo dos políticos que elegem. Uma parte dos políticos dos municípios brasileiros são semi-analfabetos e a outra parte é descuidada, arrogante e prepotente, o que os leva a deixarem inúmeros rastos de seus mal feitos e a subestimarem a capacidade de organização da população.

A pirâmide social está de cabeça para baixo, está invertida, não é a pontinha lá de cima que tem o poder, mas o poder está aqui, na base, na multidão, na diversidade organizada, na sua união com seu vizinho, com os moradores da sua rua, do seu bairro. Está no planejamento, no estabelecimento de metas e prioridades, na ação inteligentemente planejada.

Boa reunião.