Bater a ponta do dedinho na perna da cama dói, derrubar a tampa da panela no pé dói, bater o nariz no escuro também… E estes traumas são considerados como dores agudas. Sabemos a causa e que elas possivelmente irão passar dentro de poucas horas. A grande questão é o que fazer para as dores que ultrapassam seis semanas e que muitas vezes não sabemos o motivo do seu início. Tem dor que é mais antiga que a idade do nosso filho de dez anos.
A dor crônica afeta uma em cada cinco pessoas no mundo, e ela é uma resposta do nosso corpo para algo que não está bem. É sirene atenta e pronta para ser ativada sempre que algo gerar sofrimento.
Em um artigo chamado “People in pain make poorer decisions” publicado neste mês na revista europeia Pain, foi verificado que pessoas com dor crônica tendem a tomar decisões de maneira mais simplórias em contextos difíceis. O efeito da dor é causal e as consequências não são apenas atencionais, mas também financeiras. Isto nos avisa que a dor perturba o estado cognitivo de tal maneira que muda a forma de pensar, raciocinar, lembrar, escolher e decidir sobre o dia a dia. Viver sofrendo e tomando decisões com maiores consequências negativas é, no mínimo, desolador.
Se existisse uma fórmula mágica para aliviar todas as dores do mundo, talvez eu não a usaria, porque a dor nos faz refletir, atentar para hábitos que não estão fazendo bem. Estar em um quadro álgico faz com que a gente busque auxílio em algo ou alguém. E, particularmente, é de uma importância imensa quando o assunto se refere a mudanças. Mas, quem disse que é fácil mudar? Eu mesma estou na dúvida se mudo ou não de endereço há mais de um ano.
Entretanto, a gente precisa colocar em prática o que desejamos melhorar. E a dor nos propõe isto. Em algum momento é preciso analisar, olhando para dentro de si o que ela que pede mudemos, e se não conseguirmos sozinhos, por causa da própria dor, o apoio externo é fundamental. Tudo bem se for preciso buscar ajuda. Somos seres humanos frágeis, dividindo o mesmo planeta e buscando sobreviver a mudanças que ocorrem dentro e fora de nós a todo momento.
Se lendo este texto você de alguma forma se sentiu identificação, por favor, não pare. Olhe para si, por mais difícil que seja! Perceba quantas oportunidades deixou passar por não conseguir sair de casa pela dor que sentia, ou quantos dias deixou de brincar com o seu cachorro porque esta atividade gerava dor. Tenha calma para observar, mas principalmente, tenha coragem suficiente para mudar. Olha, eu sei que estamos vivendo em um momento difícil, mas não pare de procurar sua melhora. Às vezes nos sentimos como um pássaro de asas quebradas quando estamos com dor, e eu estou aqui para lembrar que sempre podemos melhorar de alguma forma. Escolha isto para si e siga. Confie que esta, diferente de tantas outras decisões, é boa e importante.
Aliviar a dor é não só uma atribuição, mas uma oportunidade que o profissional da área da saúde possui de praticar o bem dentro de uma sociedade que precisa com urgência disto.
Referência do artigo citado no texto: Pain. 2019 Jul, 160(7): 1662-1669. doi: 10.1097/j.pain.0000000000001542.