Abre a porta e acende a luz. Durante a minha vida inteira foi assim. Até o dia em que comecei a frequentar uma casa onde o interruptor fica simplesmente na parede oposta à da porta de entrada. É preciso atravessar toda a sala no escuro para tatear a parede mais ou menos na altura onde minha mente já gravou que o interruptor está e, só então, acender a luz.

No começo, é irritante. Depois, intrigante. Mas, com o tempo, a gente se acostuma. Se acostuma… Acostuma… Costuma.

E, algumas práticas depois, o cérebro já nem questiona mais. As sinapses já se reorganizaram. A massa só aceita e executa.

Tô aqui na frente deste computador ouvindo o barulho da rua lá fora. Ônibus que passa. Criança chegando na escola ali ao lado. Os prédios em construção ao meu redor com aquele barulho ritmado de uma imensa obra que ecoa e, de tão acostumada, já nem percebo mais, porque sei que depois dela, vem outra.

É a gente perpetuando coisas.

Mas também vejo as luzes de neon penduradas em todas as fachadas, das caras deslavadas aos prédios suntuosos e aos templos sagrados, nos letreiros do busão, no outdoor do novo sushi que abriu na cidade essa semana, no visor da maquininha de cartão de débito ou crédito?, piscando em cores e evaporando numa explosão invisível, a grande pergunta surda: por quê? Pourquoi? Hoekom? Warum? Perché? Kí nìdí? Why?

É como aquela metáfora do peixe assado. Em resumo, ela conta a história de uma pessoa que repete uma receita centenária na sua família. Para assar um peixe, ela lhe corta a cabeça e o rabo. Até o dia em que a filha questiona: por quê? E a mãe se resigna a responder: porque tua avó me ensinou assim, então, é assim que tem que ser. Ela pergunta à avó: por quê? E a avó responde: porque foi assim que tua bisavó me ensinou, então, é assim que tem que ser. Ela pergunta à bisavó, e essa responde: porque quando teu bisavô apareceu em casa com o peixe, a única assadeira que eu tinha era muito pequena. Para que o peixe coubesse e eu pudesse assá-lo, tinha que cortar a cabeça e o rabo.

Essa é a história de muito do que a gente faz. É a explicação do modo como a gente perpetua. Ali pode estar o segredo de uma vida. Pode nos ajudar a entender como um único homem consegue mobilizar exércitos em nome de causas absurdas. Ou de que jeito a igreja transformou mulheres em bruxas com a ajuda da medicina. Ou quando foi que o corpo humano virou um imenso tabu e deixou de fazer sexo de forma natural e espontânea. E, quem sabe, mostrar que os sonhos não desfazem aquilo que o padre falou. Hum-hum.

Com Ciência não é uma coluna sobre ciência. É sobre os nossos poderes. É sobre consciência. Se eu tenho uma? Olha, se eu tivesse já teria distribuído em pedaços pra todo mundo, porque eu acho que ela deve ser igual lagartixa e tem o poder de reconstituir seu rabo a partir de si mesma. Mas eu tô nessa busca, juro, e é superlegal ter mais gente dentro dessa Kombi. Eu estudo os segredos da comunicação há quase 20 anos. Depois do autismo do meu filho mais velho, eu também passei a estudar o cérebro. E, olha só que doido, autismo, comunicação, cultura e cérebro são elementos intrínsecos. E tudo isso tem a ver com o jeito com que a gente perpetua costumes, crenças, fés, verdades e mentiras verdadeiras. E aí, nessa mania de querer saber como todas as coisas começaram, eu também comecei a estudar Darwin, evolução, genética, história não oficial e psicologia social.

Mas, assim, não sou de ninguém. Eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também. Não tenho mestrado, nem doutorado em nada. Sou formada em jornalismo e malemale uma pós em marketing que tô tentando terminar, não pra virar marqueteira, mas pra descobrir – ahá! – como as coisas funcionam e porquê eu tenho que comprar uma mochila do Ben 10 pros meus filhos irem pra escola (só que não).

Essa coluna foi um jeito que encontrei pra mostrar algumas conexões que vão surgindo e dividir isso com quem quiser, do jeito que se faz quando se instala uma bica d’água numa praça.

Tá com sede? Então, vem.