Não é de hoje que a gente briga com os galhos e ignora o tronco. Quando se discute ciência, a situação não é diferente, especialmente quando a discussão envolve informação empírica, a pura e simples falta de conhecimento aliada à necessidade impostergável de opinar ou a verdadeira má fé, aquela que brinca com a fé genuína das pessoas e, em nome de um fim que geralmente envolve lucro ou fama, dissemina meias verdades e concretiza tabus.
O universo que envolve os alimentos transgênicos orbita nessa mesma vibração aí. Empirismo, meias verdades, muitas mentiras e meios que dificilmente poderão, no futuro, justificar os fins (que, aliás, também são totalmente questionáveis e nós já vamos ver o porquê).
Dizem que as pesquisas ainda não dão conta de afirmar com exatidão se a ingestão de alimentos transgênicos faz mal ou não à saúde humana. Seus defensores afirmam que uma semente transgênica não contém nenhum elemento que já não faça parte da nossa própria constituição corporal. “É apenas uma proteína e nós comemos proteínas todos os dias”. Essa é uma das explicações mais simples.
Quem é contra a produção de alimentos transgênicos afirma que existem pesquisas que comprovam a possibilidade de reações alérgicas, o aumento da resistência da população a antibióticos e, por fim, uma relação direta entre o consumo de transgênicos com o desenvolvimento de várias doenças graves, incluindo o câncer.
Contra-argumentos para tudo isso, existem. E, em muitos casos, são bem convincentes. Na lista de itens em defesa da produção transgênica, há alguns que são quase imbatíveis numa primeira análise. Por serem teoricamente mais resistentes a pragas e, por isso, exigir menos agrotóxicos, as multinacionais produtoras dessas sementes pregam que os transgênicos são a única solução para acabar com a fome no mundo.
M-e-n-t-i-r-a.
E é aqui que chegamos ao tronco. Causar câncer, ter ou não os mesmos elementos da nossa própria composição corporal, provocar alergias, são os galhos da discussão. Aspectos importantes, sim, dos estudos, mas as informações preliminares, os primeiros e já sabidos impactos de uma planta transgênica na natureza já dariam, por si só, todos os motivos para que não caiamos na tentação do caminho mais fácil (e lucrativo, no caso de menos de 1% da população mundial que detém o poder sobre a vida dos outros 99%).
Não vejo, na maioria das discussões que envolvem a-favor-ou-contra transgênicos uma palavrinha mágica: coevolução. Entendê-la é a chave que nos dará a autonomia para opinarmos e nos posicionarmos sobre o assunto.
Explico:
Em linhas gerais, uma planta transgênica tem alterações no seu DNA. Em laboratório, ela recebe partes do DNA de um inseto que a comeria, digamos assim. Com isso, é como se o inseto “identificasse um semelhante” naquela planta e, por esse motivo, se recusasse a comê-la. O resultado, alardeiam os defensores da técnica, é maior produtividade na lavoura e menos necessidade de uso de agrotóxicos (ou fitossanitários, como propõe nosso senador Álvaro Dias).
Chegamos, então, a mais uma mentirinha sobre a transgenia.
Primeiro porque não se extingue os agrotóxicos de uma lavoura com transgênicos. Aquilo que os produtores consideram como “erva daninha” continuam sendo banhadas pelos venenos que, por sinal, sempre só podem ser de uma única marca: Roundoup.
E segundo, porque insetos – assim como plantas – não só evoluem como coevoluem. O que isso quer dizer? Quer dizer que entramos no mesmo looping suicida que nos engoliu quando descobrimos os agrotóxicos no século 19.
Enfeitiçados pelo DDT, acreditávamos ter encontrado a saída para produzir sem precisar lutar contra a natureza. Nenhum besouro ou grilo atacaria mais as nossas plantações. Mataríamos a fome do mundo.
Engano.
Besouros, grilos, aves, plantas, micro-organismos, todos os seres evoluíram ao ponto de se tornarem imunes a venenos e remédios.
Assim é a história do mundo.
E com os transgênicos não vai ser diferente. É aquele tipo de informação que não é interessante que seja divulgada, mas, sabe-se que já existem “pragas” adaptadas. Seres que coevoluíram com a sua fonte de alimento e se adaptaram e agora seguem, felizes, comendo aquilo que o homem tentou tirar.
A natureza é especialista em tornar-se especialista.
Isso significa que, independente de causar câncer ou não, plantas transgênicas são um risco real e comprovado à natureza. O ser humano já sabe disso desde o século 19, quando começaram a surgir os primeiros conceitos de evolução e, depois, de coevolução.