Aquela mulher acordava invariavelmente às 7 horas, nos 7 dias da semana. Aquela mulher levantava e começava seu ritual diário, sempre igual: banheiro, espelho, cozinha, café, louça, rua, trabalho…
Trabalhava no mesmo lugar há muitos anos e em todos estes anos nunca mudou o caminho que fazia. Sempre ia de casa até o trabalho e voltava pelo mesmo caminho. Nem no dia da enchente, quando as ruas ficaram completamente alagadas, ela mudou seu trajeto, insistiu no mesmo caminho e quase foi carregada pelas águas. Chegou em casa molhada, irritada, amaldiçoando a chuva e a cidade.
Há anos, a mesma casa, o mesmo bairro, a mesma rua, a mesma rotina, as mesmas comidas, as mesmas colegas e amigos, as mesmas preocupações, o mesmo namorado e até o mesmo sexo. Ano após ano a mesma coisa, nem sequer percebeu que a velha casa da mais idosa e solitária vizinha da rua havia caído de tão velha e podre. Quando se deu conta, já havia um prédio no mesmo terreno.
Todo ano vendia parte das férias para pagar dívidas, não tinha dinheiro para viajar, seu único lazer era assistir aos programas de televisão à noite e aos finais de semana. Não gostava de ler nem de pessoas diferentes, com quem não estava acostumada e era principalmente resistente àquelas com hábitos e aparência diferentes do que ela considerava normal.
Em virtude desse modo de vida, passou a sentir medo. Os anos passavam e ela sentia cada vez mais medo. Medo da rua, de ficar sozinha em casa, das pessoas, do que pediam dizer ou pensar dela, de perder o emprego, de não poder pagar as contas, medo de ser assaltada, de perder o controle da sua vida e medo de morrer sozinha. Perdeu o namorado, foi assaltada duas vezes e sua casa foi arrombada, invadida e roubada, apesar de todas as trancas, cadeados e do alarme que ela mantinha neuroticamente bem cuidados.
Definitivamente, dizia o espelho, a cada manhã, ela estava envelhecendo. Não sentia mais muita vontade de viver, sentia dores, fraqueza, irritabilidade, desânimo. Tinha prisão de ventre.
Mas um dia, não se sabe por que cargas d’água, algo nela começou a mudar. Dizem algumas pessoas que a conheciam que sua vida mudou depois que ela passou a ler certa coluna, muito estranha, em um determinado site da internet, chamado Medictando. Seus amigos não viram isso com bons olhos. E é claro que era porque não tinham bons olhos para ver.
A tal mulher resolveu que não queria mais viver daquele jeito e que nunca mais teria dois dias iguais na vida, faria sempre tudo diferente. O relógio que sempre despertava às 7 horas, deixou de despertar. Ela acordava 6:30, 5:00, 4:00, às 8:00… Às vezes ia primeiro para o banheiro, outro dia ia primeiro para a cozinha, tomar café no quintal, se espreguiçar e brincar com o cachorro no jardim ou correr na praia. Quando acordava às 4 ou 5 horas, ia pedalar, assistir filmes, ler, escrever ou navegar na web. Cada dia era um novo dia, mesmo.
No trabalho, mudava tudo quanto fosse possível. No almoço, à noite, finais de semana, passou a brincar de ser criativa, criando movimentos conscientes na sua vida. Passou a se divertir e a prestar mais atenção ao seu redor. Percebeu que era mais fácil fazer tudo diferente todos os dias do que viver sempre na rotina esmagadora e cruel. Estava aprendendo que movimento é vida e que a rotina morava em si e não no mundo exterior, aprendeu que era ela quem fazia a rotina chata na maneira como vivia antes.
Quando já fazia um ano que vivia assim, ainda se sentia muito bem, feliz, livre, aprendeu a ter coragem e ter autoconfiança. Se um trabalho começasse a ficar monótono e lhe deixasse de ser prazeroso, ela mudava. Ao invés de ter medo de mudar, viciou-se em mudanças. O novo, a adrenalina, o desconhecido a excitava, devolvia-lhe o tesão de viver. Sentia movimento no corpo inteiro, pulsava.
Sentia-se tão bem que notara sua pele mais saudável, seu cabelo mais sedoso e parecia até que as rugas tinham diminuído. Continuou vivendo assim e dois anos depois se sentia ainda melhor. Seguiu vivendo intensamente, enxergando a novidade que há em cada novo dia, o diferente e nem os móveis da casa paravam muito tempo no mesmo lugar.
Aos poucos foi deixando de se preocupar com rótulos, preconceitos e estereótipos, o que importava agora era fazer o que queria, com quem queria, no momento e no lugar que tivesse vontade, embora sempre mantendo o respeito pelos seus semelhantes e pela natureza. Largou o grande fardo das culpas e cobranças e aprendeu a amar indistintamente. Sempre tinha tempo para um trabalho voluntário em prol de pessoas, exercido somente pelo amor aos outros. Isto lhe dava uma injeção de ânimo, alegria e satisfação.
Aquela mulher foi se despindo dos tabus, foi largando todo o estresse da vida comum e criou um mundo, uma forma de viver diferente. Percebeu que da maneira que vivia antes tinha parado, pois fazia sempre a mesma coisa, estava sempre no mesmo lugar. Agora a vida havia voltado a andar, a vida voltou a se movimentar e a se manifestar nela. E, aos 60 anos, aquela mulher já parecia ter apenas uns 40, não somente pela forma que se sentia, mas de fato sua aparência havia rejuvenescido bastante.
A mulher estava completamente adaptada a viver assim e já era motivo de comentários e espanto entre amigos, parentes e vizinhos, pois ela claramente estava rejuvenescendo de forma inexplicável. Quando fez 70 anos, tinha a aparência e a saúde de uma mulher de 45. A família estava assustada, pensando ser alguma anomalia, alguma magia, começaram a perguntar o que seria se ela continuasse rejuvenescendo. Até a televisão passou a acompanhar a vida dela e apresentar as conhecidas imagens do antes e depois, que mostravam que aos 50 parecia mais velha do que aos 70.
Ninguém acreditava na sua história, quando explicava de que forma sua vida mudou e mantinham-se as especulações sobre qual seria o produto ou tratamento cosmético que ela estaria utilizando. Mas física e mentalmente, a cada dia ela ficava melhor, desde que não deixasse de ter prazer nas coisas mais simples da vida, mantendo a capacidade de se surpreender e ver beleza em tudo, quase como uma criança.
Mais alguns anos passaram e aquela mulher continuava rejuvenescendo, sem apresentar nenhum mal físico, doença ou reclamação. As pessoas, sem entender, a chamavam agora de bruxa, afastavam-se dela com medo e a difamavam. Foi perseguida por todos, menos pelas crianças. Até que teve que se afastar do lugar onde era conhecida, passou a evitar dizer sua idade ou contar a sua história, mas continuou amando a vida em seus mínimos detalhes.
Na cidade onde ela viveu por muitos anos, manteve-se a lenda da mulher bruxa e esquisita, que alguns diziam ter sido abduzida por alienígenas e outros que tinha feito pacto com o diabo para não envelhecer.
Mas agora, leitoras e leitores, conto a verdade para vocês. Somente nós conhecemos o segredo daquela mulher, que descobriu como mudar o seu mundo e a si mesma. Descobriu como vencer o envelhecimento e que ele surge é de dentro para fora e não de fora para dentro. Ela descobriu que a decrepitude pode ser evitada e vencida, não com a indústria da beleza cosmética ou farmacêutica, mas com VIDA. O que eu sei dela, contei para vocês.
Quer saber qual foi o fim daquela mulher? Pois bem, eu não sei que fim levou aquela mulher nem se teve um fim. Há quem diga que ela ainda vive e jamais morrerá, e que está tão jovem e bela que precisa mudar de cidade de tempos em tempos para não ser perseguida. Para descobrir mais será preciso que passemos a viver como ela viveu. Ou vive?
Sensacional Luciano!
Obrigado, Patricia.
Adoreiiiii!
Que texto incrível!!!
Muito obrigada pelos seus textos, estão me fazendo ver o mundo de uma forma diferente.