julga do macaco

Liga Antievolucionista em ação no início do século XX nos Estados Unidos com o que eles chamavam de “conflito entre o inferno e a escola”.

Na década de 1920, os Estados Unidos debatiam calorosamente sobre o ensino da ciência nas escolas públicas. O foco maior era sobre a teoria da evolução. Uma igreja cristã surgiu com uma proposta de proibir que o assunto fosse apresentado em sala de aula. Ao perceber que a ideia tinha muitos adeptos, oportunistas como William Jennings Bryan, candidato à presidência dos Estados Unidos por cinco vezes, percorreu os estados americanos com o seu discurso fundamentalista disseminando ideias totalmente erradas sobre o tema.

A quantidade de informações falsas ou de interpretações equivocadas sobre a evolução era avassaladora e os grandes e acalorados discursos, os debates midiáticos em torno do assunto – como no famoso episódio do Julgamento do Macaco, em que um professor foi publicamente julgado por ensinar evolução aos seus alunos – ao invés de esclarecer, apenas fortaleceram os erros. O senso comum engoliu a lógica e a razão. Resultado: estados americanos começaram a aderir à lei sugerida pela tal igreja. Onde o projeto proibitivo perdia, era por uma diferença mínima de votos.

Embora tivesse ocupado cargos públicos importantes, William Jennings Bryan nunca se elegeu presidente. No entanto, as ideias difundidas por ele em suas campanhas circulam até hoje pelo mundo. Tanto que há páginas na internet com suas frases e pensamentos. Claro que há quem compreenda com clareza o que ele dizia, mas, nas mãos de pessoas desinformadas que não buscam a compreensão dos pensamentos, isso se torna uma arma em prol da ignorância.

As escolas norte-americanas ainda discutem sobre o ensino da ciência e da evolução para os seus alunos e professores ainda enfrentam represálias por tratar do assunto nas salas de aula. Processos judiciais ocorrem até hoje. A lei que proibiu o ensino da evolução em escolas públicas durou mais de 40 anos nos Estados Unidos e, mesmo depois de derrubada, as igrejas ainda querem definir o que deve estar escrito nos livros de ciências para as crianças.

Nos anos 2000, novas leis surgiram por lá obrigando as escolas a colocarem nos seus livros didáticos de biologia que o mundo foi criado por Deus e que a datação radiométrica – um método para calcular a idade dos minerais – era apenas uma teoria quando, na verdade, se sabe que esse é um cálculo exato.

Brasil. 2014.

Sete candidatos à presidência da república estão ao vivo em um debate transmitido por uma TV aberta que chega a 97% dos lares brasileiros. Debate esse que também é transmitido por todos os canais de mídia possíveis como jornais impressos, revistas, rádios e principalmente internet com todas as redes sociais hiperativadas no momento.

Entre os assuntos debatidos, alguns que tiveram repercussão foram aborto, união gay, drogas, cotas raciais, meio ambiente, educação, saúde, entre muitos outros. Oportunidade para fazer uma péssima constatação: os argumentos ainda são muito parecidos com aqueles de 1920. Era possível ver William Jennings Bryan, um cara que morreu em 1925, falando na pele de outra pessoa, querendo misturar crendices e tabus com biologia.

Um bom exemplo disso é a frase dita pelo então candidato Levy Fidélix em outro debate também na TV aberta: “aparelho excretor não reproduz”, com dedo em riste e cara de quem está lançando ao povo uma grande e inquestionável verdade.

Não dá para negar que a fala virou motivo de piada e Levy Fidélix teve uma votação inexpressiva. Porém, a luzinha da preocupação acende quando você procura o vídeo na internet e vê que ainda hoje debates acalorados sobre um assunto que já deveria estar ultrapassado ainda acontecem sob argumentos que não têm a menor lógica para ainda estarem em uso.

É nesse cenário obscuro que, em 2016, um deputado federal se sente suficientemente seguro para usar a tribuna da Câmara e dizer que pedofilia é uma doença, desvinculando todo o caráter cultural impregnado nela.

Que ainda vemos a formação de comissões nas esferas de poder com a pretensão de discutir se a escola deve ou não e, em caso positivo, COMO deve falar com seus alunos sobre assuntos como sexo, homossexualidade e drogas. Debatemos o aborto com argumentos tão pobres como os que refutavam a evolução em 1875.

Devemos aceitar o aborto sem discutir? Vamos liberar geral as drogas sem nenhum tipo de cuidado? A ciência tem a resposta para tudo e a evolução explica 100% de nossa história? Os argumentos baseados em religiões são inválidos? A espiritualidade deve ser desconsiderada?

Não.

Tudo isso é determinismo.

O nível dos debates é que precisa se elevar. Já estamos tempo demais nos mantendo no obscurantismo, presos a um mundo dual, com uma imensa e desnecessária muralha ao meio. E o que nos sobra é um buraco cheio de vazio.

Vamos lá. Podemos ser muito melhores do que temos sido ultimamente.

PS: há uma versão desse trecho legendada em português aqui.