A mente sem treino tem vontade própria. Meditadores costumam compará-la a um macaco embriagado que cambaleia a esmo pela floresta, sem compreensão e sem o mínimo autocontrole. Nossa mente parece nos pertencer, mas basta sentar com o objetivo de examinar seu funcionamento mais de perto para percebermos que ela simplesmente não nos obedece.

 

O Shastra Yogacharabhumi descreve nove diferentes níveis de equilíbrio meditativo, ou “permanência mental”. Podemos começar a aprender a controlar a mente estudando esses estágios de equilíbrio e comparando-os com nossa própria meditação.

 

Permanência interiorizada

Esse é o primeiro estágio, em que a atenção é retirada do exterior e completamente interiorizada.

 

Permanência nivelada

No início desse estágio, a mente está interiorizada, mas a atenção caracteriza-se por ser descontinuada e errática. Ora há um tipo de percepção, ora outro e ainda outro.

A forma de trabalhar com esse estado mental é simplesmente deixar que os pensamentos fluam. Acompanhe-os de momento a momento sem se apegar a nenhum deles. Com a prática, esse tipo de consciência descontínua se transformará gradualmente em um estado de tranquila uniformidade, no qual a percepção se apresenta clara e contínua.

 

Permanência serena

Calma e paz maravilhosas são suas características. A chegada desse estágio assemelha-se à chegada do outono em climas temperados: a estação não vem de uma vez só. À medida que vai se acabando o verão e se aproximam o outono e o inverno, a Terra se esfria gradualmente. Um ou dois dias de temperaturas mais baixas serão seguidos por séries de três ou quatro dias de temperatura ainda mais baixa. Mais adiante, haverá frentes frias prolongadas. Enfim, quando o inverno se instalou, os dias quentes terão se transformado em saudade.

Nessa metáfora, o surgir da permanência serena é como a chegada do outono e do inverno. Inicialmente, a pessoa percebe uma leve mudança; depois habitua-se a ela. Quando reconhecer o aparecimento da permanência serena em sua meditação, perceba suas qualidades e valorize seu aprofundamento.

 

Quase permanência

Nesse estágio de sua prática, o meditador vivencia períodos em que nenhum pensamento ilusório é gerado. É o momento em que ele aprende a perceber quando os pensamentos ilusórios estão prestes a surgir, antes mesmo que apareçam. Essa capacidade lhe possibilita proteger sua meditação contra distrações externas e internas.

 

Controle

Nesse estágio, existe uma compreensão profunda dos méritos do samádi e o pleno entendimento de que os Dez Aspectos são as causas de toda ilusão. Os Dez Aspectos são forma, som, cheiro, paladar, toque, ganância, raiva, ignorância, masculinidade e feminilidade. Quem chega a esse ponto conquistou a própria mente e não mais será presa de sua excitabilidade.

 

Grande paz

Esse estágio caracteriza-se por uma calma profunda gerada pela compreensão plena de que a ganância, a raiva e a ignorância constituem a fonte de toda ilusão.

 

Paz suprema

Nesse estágio, pensamentos ilusórios não têm a menor possibilidade de surgir. A mente fica em estado de completa naturalidade e liberdade. O que quer que entre nela ou saia dela simplesmente entra ou sai, não deixando nenhum resíduo.

 

Concentração

Estágio em que a mente se concentra em um único ponto, descansando e completa em si mesma. Nada falta e nenhuma interrupção da consciência pode ocorrer. Algum esforço é necessário para se alcançar este estágio.

 

Equanimidade

Esse estágio só chega depois de longa prática. Nenhum esforço é necessário para alcançá-lo. Nele, a mente entra na plenitude do samádi. A virtude é mantida sem esforço e o mal fica à distância, sem tentar entrar.

 

Enquanto você observa esses nove estágios, é sempre bom procurar descobrir onde está sua mente. A mente búdica não ocupa um lugar — está além de qualquer localização; portanto, se as profundezas da sua própria mente forem a mente búdica, deduz-se que sua mente, em termos fundamentais, também está além da localização.

 

Nosso apego ao pensamento ilusório é o que nos prende ao samsara. E é esse mesmo apego que nos impede de alcançar estados profundos de samádi na meditação.

 

A ilusão mais fundamental da mente é sua obstinada necessidade de se aferrar às coisas – ideias, conceitos, desejos, formas, emoções, pessoas etc. A mente é como uma grande mão que sempre quer agarrar tudo o que se aproxima. Os budistas chineses aproveitam essa necessidade da mente para fazê-la se apegar a algo que seja uma ferramenta para sua libertação.

 

 

(texto adaptado do livro Purificando a Mente – A meditação no Budismo Chinês, Mestre Hsing Yün, Editora de Cultura, São Paulo, maio de 2004).

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Lane Lucena é apaixonada pela vida. Mãe da Maria Carolina, psicanalista clínica, pós-graduada em comportamento organizacional e gestão de pessoas, especializações em psicopedagogia clínica e psicologia e saúde mental. Idealizadora do Viva Sua Essência e do Psiqueanalise.com. Coach de escrita.