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Já escrevi aqui sobre alguns aspectos que precisam ser observados quando se toma a decisão, por conta própria e sem a imposição de nenhuma doença, de cortar leite, trigo e carne da alimentação.

Hoje, preciso retomar esse assunto sob outro ponto de vista: o do autismo.

Têm sido cada vez mais frequentes as recomendações que tenho recebido de pessoas muito bem intencionadas para cortar leite e trigo (ou lactose, glúten e caseína) da alimentação do meu filho mais velho, um menino de 13 anos que traz o autismo entre as suas características.

Geralmente me apresentam a experiência relatada em forma de diário por um blogueiro, uma pesquisa na internet ou argumentos de médicos e clínicas que se dizem especialistas no assunto.

Eu tento explicar as coisas de uma forma um pouco mais sutil para as pessoas, mas aqui eu vou me reservar o direito de ser bem direta: não me convencem.

A começar pelo fato de que esses argumentos sempre levam em conta um estereótipo de autismo que não se enquadra para todos os autistas. Praticamente se fala em irritabilidade, birras e crises. Sem a presença de lactose e glúten na alimentação, autistas ficariam menos irritados, apresentariam menos estereotipias e teriam maior capacidade de concentração, entre outras coisas seguidas de uma extensa explicação sobre o trato intestinal e sua relação com inflamações e alergias cerebrais.

Com uma dieta específica, praticamente todos os “sintomas” do autismo desapareceriam, chegando mesmo a casos de crianças que teriam saído do espectro.

Duvido. Duvide-o-dó.

E tudo isso só me dá ainda mais argumentos para afirmar que essa história da dieta relacionada ao autismo é só mais uma entre tantas falsas promessas que alimentam esperanças vãs nos corações de pais e mães, como foi com a lobotomia e o tratamento à base de choque, tão idolatrados em séculos passados.

Vamos falar da irritabilidade, por exemplo. Sabe o que deixa meu filho irritado? Ter que lidar com obviedades. Ter que comer o que não gosta ou não consegue. Ter que ficar em um local cheio de gente. Ter que falar futilidades com gente estranha. Sons específicos de atrito. Invasão de privacidade. Ser forçado a fazer algo com o que não concorda ou para o que não vê sentido. Que alguém mexa nos seus livros ou nas suas coisas sem a sua permissão. Usar uma camiseta cuja estampa traga uma mensagem que não condiz com o que ele pensa. Ter que usar bermuda fora de casa. Ouvir alguém mastigando. Ver alguém cometendo qualquer tipo de crueldade com um gato.

Se não for exposto a alguma dessas e outras situações, ele é a pessoa mais calma, sensata e agradável do mundo. Agora mesmo, está sentado no sofá me esperando para vermos um filme juntos.

E hoje ele comeu pão e tomou leite, como faz todos os dias.

Meu filho tem problemas sérios com vegetais, em especial a banana, por conta de uma coisa chamada Transtorno do Processamento Sensorial, sobre o qual falei aqui e que não tem relação alguma com glúten nem intestino.

Até porque os neurônios que produzem esse tipo de resposta aos estímulos estão no cérebro, até onde eu saiba. E além disso, apenas uma parcela da população não é capaz de quebrar as cadeias do açúcar e do trigo e, assim, têm realmente problemas com esses alimentos. Outra parcela produz substâncias perfeitamente capazes de fazer essa digestão. Já expliquei isso aqui também.

Então, melhorar a dieta de uma pessoa com autismo não irá trazer nenhum benefício a ela?

É óbvio que vai. Assim como vai melhorar de qualquer vivente, ora bolas!

Relacionar isso diretamente ao autismo é que não faz o menor sentido. A causa do autismo é genética, ou seja, é um conjunto de características que irá compor esse indivíduo da sua concepção à sua morte, assim como a cor dos seus olhos, o tamanho dos seus pés ou o formato do seu nariz.

E, não, diferente do nariz, com o cérebro não se pode fazer plástica.

Ah, mas e a plasticidade cerebral?

É a coisa mais fascinante que se descobriu na neurociência. No entanto, ela não é sinônimo de cura para o autismo. Ela é um caminho que abre a possibilidade para a construção de ferramentas para que o indivíduo que carrega em si um processador interno considerado diferente, possa minimamente entender o que acontece consigo e, assim, criar estratégias de comunicação e de entendimento das regras sociais, para perceber quando se está usando uma metáfora ou evitar as situações que lhe causam desconforto, irritação e que desencadearão uma crise.

Em resumo: quer evitar uma crise em uma pessoa com autismo? Facilite a comunicação e não queira forçar essa pessoa a ser o que ela não é. Com ou sem glúten e lactose, a não ser que essa pessoa tenha a doença celíaca ou a alergia à proteína de leite de vaca, paciência, dedicação, conhecimento e respeito são os maiores ingredientes da receita para uma convivência mais feliz.

E não custa um único real.